terça-feira, janeiro 31, 2012

Pesadelo

Ele aparece de novo de tempos em tempos. A última vez que lembro dele é de mais de dois anos atrás, mas eu sei que hoje não foi a primeira vez. Começa como se fosse uma história ou um filme qualquer: uma família em um ônibus tentando fugir de um trio de assassinos. Até esse momento não há muita aflição, exceto da parte da família, que precisa desesperadamente escapar. Então eles saem do ônibus e são metralhados. Um escapa.

Esse um passa a ser eu, correndo alucinado tentando fugir. Apenas dois dos assassinos metralharam a minha família, então ainda resta um, que pode estar em qualquer lugar. Enquanto corro, percebo que o matador restante está vindo do lado oposto na minha direção. Entro correndo em um prédio, parece muito um hotel, mas creio que é mais um edifício de apartamentos. Não sei dizer se o assassino me viu, mas corro para o elevador como se fosse o último lugar em que pudesse entrar. Aperto o mais alto dos andares, e depois um outro logo abaixo. O elevador continua no mesmo lugar. "Suítes", OK, só quem mora lá pode ir, aperto um nove e o elevador fecha as portas.

Desço do elevador numa espécie de estacionamento macabro, o cérebro a mil: ele vai saber que desci no nono andar e virá atrás de mim, ele vai me alcançar, ele vai me matar. Enquanto procuro o que fazer nesse estacionamento, onde me esconder ou onde posso encontrar escadas, vejo um corredor lotado de pessoas. Ao fim dele, uma feira.


Curioso e com uma pitada de esperança, corro para a feira. Um casal faz alguma piadinha sobre minha pressa, eu respondo algo como "estou fugindo dos caras que mataram minha família". Eles riem. Creio que também riria se alguém me dissesse isso e alguns segundos depois estivesse olhando acessórios em um estande. A sensação de paz não dura muito e logo encontro a saída, que dá na rua. É, do nono andar para a rua, algo bem planejado arquitetonicamente. Decido não voltar para a frente do hotel, pois se o assassino não me viu, ele deve estar caminhando na minha direção. Então corro para o outro lado, buscando uma parada de ônibus para voltar para casa (eles não sabem onde moro, aparentemente), mas morrendo de medo que eles me vejam no ônibus ou que peguem o mesmo em que vou estar. No caminho, vou pensando (e arfando) sobre possíveis caminhos alternativos. Estou correndo em câmera lenta.

Quando acordo, meu primeiro pensamento é "se eu não corresse em câmera lenta, estaria mais rápido". Francamente...

segunda-feira, janeiro 30, 2012

Luan e Sara

Certo dia, eu e minha amiga decidimos que teríamos dois filhos, um menino e uma menina. Isso já deve fazer um ano, acredito, e de lá pra cá pouco pensei na possibilidade de criaturinhas com minhas linhas de raposa vivendo por aí. Nosso impulso era o de confrontar as normas de gênero que aprisionam as pessoas e as escravizam nas caixinhas de "meninos não limpam a casa e pegam geral" e "meninas recatadas só brincam de casinha".

Volta e meia penso de novo sobre os dois pipocos que não nasceram e que, provavelmente, só terão aniversários ficcionais. Nessa semana me dei conta da maldade que seria querer dois filhos, um menino e uma menina, desejando escapar das convenções de gênero. Desejaríamos crianças livres, mas desde antes do seu nascimento já estávamos preconizando seus caminhos. Talvez um menino não muito masculino, ou uma menina que adore jogar futebol e falar de sexo. Seguindo essa linha de raciocínio, percebi o quanto parece inescapável essa matriz de gênero que nos acompanha, já que está amarrada inclusive nas palavras que podemos utilizar para nos referir às pessoas. Posso chamá-los de crianças e depois de jovens, mas eu conseguiria não revelar seu gênero e dar-lhes livre escolha para serem quem quisessem?

Sempre lembro do que li sobre um casal que decidiu não revelar ao mundo o sexo dos seus filhos e a repercussão que isso causou. Pensei que poderia ser uma solução, só eu e minha amiga criando os pimpolhos e deixando-os decidir. Entretanto, nada seria mais enganoso. Eles ainda teriam a mim como modelo (um não muito apurado, talvez) de masculinidade e minha amiga como exemplo de feminilidade (mais uma vez, um que está mais longe do ideal do que a média). Ah, então isso seria bom? Acho que sim, mas não seria uma criação livre das normas de gênero. Nós estaríamos apenas nos distanciando do que é considerado ideal e tentando informar nossos filhos sobre as armadilhas do viver em sociedade.

Isso tudo sem mencionar o contato com outras crianças e outros modelos de realidade, com as escolas, com os amigos da família, com outras pessoas. "Escapar" não é algo fácil, não sei nem se é possível. Ficaria a responsabilidade de acompanhar o crescimento dos pimpolhos e tentar sempre estar por perto para conversar, explicar, ajudar a ver o mundo de outras maneiras. O trabalho que hoje pertenceria, na minha opinião, aos professores.

Fico triste pelo Luan e pela Sara, que talvez não venham a existir. Bem, na realidade eles já existem e já movimentam minha imaginação, o que é ótimo. E já que estamos falando de narrativas fictícias, eles podem, sim, se ver livres das pressões de serem A ou B, e crescerem para o que quiserem, inclusive raposas.

All those beautiful boys


Sinto meus dias como se estivessem sendo embalados por essa música, mas no lugar do lobisomem, coloquem uma raposa, por favor. Acho que estou voltando às músicas tristes para embalarem meus dias, mesmo que esses estejam repletos de felicidade mais do que de sentimentos doídos. Acho que aqui eu menti, embora não de propósito... para alguém que se importa, é realmente possível ser feliz sem a dor de saber que tantos outros não são?


Aí a Cocorosie canta com Antony Hegarty. A letra é arrastada, cortante, real. All those beautiful boys, pimps and queens and criminal queers. Eles estão por aí, invisíveis. His greated love was executed. Sei que cada drama pesa diferente conforme o lugar onde pousa, a pessoa que lida, o momento da vida e tal. Ainda assim, não deixo de me sentir um pouco mal dos dias em que fico tristonho e percebo que estou sendo, na melhor das hipóteses, um menino mimado.

Sherlock Holmes is real

I was waiting for the bus to take me home as usual when I saw that sheet glued in the glass wall of the bus stop. It was funny, because I watched the last episode of Sherlock just the day before, so I was well aware of what the sheet was talking about. Well, the sheet wasn't actually talking, but... Ah, you got it.


And just like that a fiction series become part of real life. If everything we do becomes understandable by the narratives we tell about it, what does it mean to have Sherlock Holmes and Jim Moriarty brought to life? Could it be an ad strategy? Or is it the movement of a political artist?

More important: visual culture invaded the university. What are we going to do with it?

Viajando por aí


Domingo saímos viajando de Columbus a Cincinnati. Entre as descobertas da viagem, o fato de que o museu de Cincinnati está com uma exposição de Nick Cave e suas soundsuits. Essas roupas compostas por materiais diversos, algumas inclusive de cabelo humano, fazem barulhos ao se movimentar e, por isso, têm esse nome. Curiosamente, o artista é amigo do professor que está me recebendo aqui, o que me levou a conhecê-lo de antemão. Fomos parar no museu completamente por acaso, provando uma vez mais que o mundo é curiosamente caótico.

Ainda em Cincinnati, na verdade antes do museu, passamos numa galeria de arte, na qual a moça que recepcionava os visitantes ficou espantada com minha nacionalidade. Como vocês podem ver, eu sou loiro, olho azul, pele clara. Ela ficou completamente sem jeito quando percebeu que para explicar a razão de estar tão surpresa precisaria dar nome ao seu preconceito. "You are not the image of the Brazilian we have... you know? With... darker skin". Eu achei engraçado, confesso. Já tem algum tempo que minha nacionalidade ser o meu marcador de identidade tem me incomodado, mas não é de hoje que preciso lidar com isso. Quando me mudei para Goiânia, passei a ser o gaúcho. Em Porto Alegre, eu era o estudante que morava longe. Seria ingenuidade pensar que o lugar de onde viemos não fala sobre quem nós somos ou, mais especificamente, sobre o que as pessoas pensarão acerca de nós.

Essa é a parte boa de viajar por aí: a gente vai aprendendo e, ao mesmo tempo, ensinando. Acho que recuperei meu desejo de ser professor.

sábado, janeiro 28, 2012

Coisas que a gente pensa enquanto escova os dentes

O mundo explode e uma cambada conversa na fila pro pós-vida. "Ei, o que tu estava fazendo antes de morrer?" seria, provavelmente, uma pergunta adequada para o momento. Imagino o tipo de histórias que cada um contaria. Transando, dirigindo um carrão, surfando. E eu lá, tímido, "escovando os dentes".

sexta-feira, janeiro 27, 2012

Professores

Durante a faculdade tive um professor cuja missão era nos ensinar a fazer filmes. Ele propôs que a turma se dividisse em quatro ou cinco grupos de umas dez pessoas, e que cada um fizesse um curta metragem. OK, tarefa legal nas mãos e um propósito definido. Todo o resto ficava por nossa conta: escrever um roteiro, localizar atores, planejar cenários, marcar gravações, editar o material etc.

Essa proposta pode parecer super alinhada com a teoria do "eu não ensino, eu proporciono situações de aprendizado", com a qual eu mais que concordo. Porém, havia um problema: o professor não estava lá. Ao nos proporcionar a experiência de fazer um filme, ele realmente estava, nas suas palavras, nos ensinando a nadar nos jogando no mar. É verdade que aprendemos muita coisa. Por outro lado, ele não estava lá para aproveitar momentos de dúvida ou de conflito e nos oferecer (outras) opções. Nós ficamos limitados a ter um momento destinado a esse projeto e ao que pudéssemos aprender com ele, mas senti falta de um guia, de um parceiro, de alguém interessado em explorar ao máximo as possibilidades de aprendizagem que essa experiência proporcionaria.

No fim da disciplina, filme pronto (e ruim), ele nos perguntou o que achamos do vídeo. Falamos mais ou menos a verdade, ou uma mentirinha mascarada, já que ninguém gosta de dizer que fez algo ruim. E ficou por isso, sem mais comentários, sem acréscimos, sem críticas.

O que aprendi com ele? Que projetos guiados pelos alunos são boas oportunidades para aprender. A prática nos oferece um tipo de envolvimento que normalmente apenas o estudo teórico não dá conta de nos oferecer. Aprendi também que não serei o tipo de professor que abandona os alunos a aprenderem por conta: alunos podem fazer isso sem uma disciplina, sem uma figura professoral por perto. Se é pra ser assim, YouTube seria tão professor quanto o que tivemos. Verdade seja dita: nesse caso, provavelmente teríamos mais a aprender de um vídeo explicativo do que de um professor de natação que apenas nos observa na água.

Na verdade, talvez eu esteja arranhando algo importante, aqui, e deixando de mencionar. Para mim, não funciona simplesmente me largar na água. Eu fico inseguro e bloqueio a tentativa de novos modos de lidar com o desafio em questão. Para outros talvez seja um modo de aprendizagem eficaz, não sei. Talvez uma solução seja estar lá para quem quiser, para quem procurar. Quem quiser aprender por conta, boa sorte, imagino que cada um deve saber como seu cérebro funciona.

quarta-feira, janeiro 25, 2012

Hoje eu perdi a minha touca

Foi assim: ela estava na minha mochila, aí fui na biblioteca, peguei vários livros e, para enfiá-los na mochila, tirei a dita touca. Ela preta, o sofá onde eu estava sentado, também preto. Catei os livros que sobraram fora da mochila, coloquei as luvas e botei as mochilas nas costas. E fui. E a touca ficou.

No escritório, uma hora depois, me preparando para ir embora e selecionando mentalmente o que eu levaria pra casa, decidi colocar a toca, mas ela não estava na mochila. Desespero momentâneo. Minha lida touca preta quentinha que desarruma o meu cabelo. Aprendi que existe uma expressão pra isso: hat hair, ou seja, o modo como o cabelo fica estragado depois de alguém usar uma touca. Adorei.

Aí voltei na biblioteca, que é caminho da parada de ônibus onde sempre espero e ela estava lá, linda e faceira, como uma criança que resolveu brincar e se perdeu dos pais. Ou só do pai, no caso. Sabe como é, diferentes tipos de família e tal. E foi assim que eu voltei para casa de touca na cabeça!

terça-feira, janeiro 24, 2012

Amigos vêm e vão

Eu defendo a teoria de que o tempo que tu dedica para algo é um grande fator para determinar a importância desse algo. Se eu passo trinta horas por semana conversando com uma pessoa, ela obviamente tem um papel maior na minha existência do que alguém com quem eu converso apenas uma, não? Bem, não exatamente. Essa teoria pode funcionar na escola, em que a gente (classe média, desocupada, que não precisa trabalhar para ajudar em casa) efetivamente tem tempo pra ir e vir.

O que acontece quando nós começamos a trabalhar e temos bem pouco tempo nas mãos? Quando mudamos de cidade? De país? De projeto de existência? Li ontem no Bloco de notas e rabiscos uma passagem tratando mais ou menos da mesma coisa. Os amigos que fizemos quando podíamos transitar livremente continuam existindo, eles não desaparecem em uma fumaça nostálgica. O que fazemos para cultivá-los, qual é o adubo que mantém a equação dando um resultado satisfatório?

As escolhas que a gente faz na vida algumas vezes vão na direção oposta das feitas pelos nossos amigos. Nem precisa uma mudança radical, um dia a gente acorda querendo outra coisa. Ou vai acontecendo aos poucos e, percebendo ou não, não se tem muito o que fazer. Lembro que da sexta-série até a faculdade eu tinha um melhor amigo. Conversávamos sobre muitas coisas, inclusive nossas dúvidas com relação a como nos inserir em um mundo que parecia não ser para nós. Acabamos no mesmo curso de graduação, ele meu veterano, e nossos tempos ali já eram diferentes. Nossos objetivos e as amizades que fizemos foram com pessoas diferentes, algumas vezes radicalmente distintas entre si. Quem tem a melhor vida, quem fez as melhores escolhas? Não é essa a questão. O ponto é que hoje nós somos estranhos um para o outro. Creio que podemos sentar e conversar e querer saber a respeito do outro, acho que esse tipo de cumplicidade talvez não tenha desaparecido. Contudo, existe uma diferença forte entre querer saber do outro e ligar, ir atrás, mandar carta, sinal de fumaça, o que for necessário.

Aí tem aquela colega com a qual eu estudo e compartilho conversas esporádicas desde o início da faculdade. Ela é legal, espoleta, divertida, tem um namorado em outra cidade e está sempre envolvida com os livros. Meu tipo de pessoa. Um dia vamos numa festa e eu resolvo me abrir pra ela. Passamos a ser melhores amigos. Até hoje. Foi a soma de algumas decisões simples: chamar para uma festa, aceitar ir na tal festa, abrir o coração e ser recebido. Hoje conversamos sobre nossos amigos, sobre o universo, sobre amores. Moramos em cidades diferentes e continuamos compartilhando nossas vidas por e-mail. Algumas vezes demoramos semanas para responder um ao outro. Outras vezes ela briga comigo quando estou em Porto Alegre e tenho canseira de sair de casa. Nosso tempo é restrito, mas nós queremos um ao outro na vida, porque é importante pra gente. Também sabemos que se um dia mudarmos para lados diferentes, nossa relação se tornará memória. Que mudaremos é fato, nós pertencemos àquele tipo de pessoa que não aceita ser a mesma coisa por muito tempo. Ou, pelo menos, que não se quer acreditar a mesma pessoa.

Aí ouço falar em amor incondicional e eterno. Que amigos duram pra sempre, que mães não podem deixar de amar os seus filhos. Acho bobagem, existem casos e casos. Eu não quero deixar de amar quem eu amo hoje e é sempre uma droga perceber que isso está acontecendo. Dói saber que uma pessoa que tinha tudo a ver contigo hoje não tem mais e que aquele tesão de ter contato, de compartilhar histórias e de ajudar a andar se foi. Mas acontece: pessoas mudam e os caminhos se separam. Não é o fim do mundo: é o fim daquele mundo que estava ali daquele jeito.

Quando a gente menos espera, aparece outra pessoa para fazer parte da roda dos amigos. Dos amores. É uma questão de sorte, mas também de estar aberto. Não poucas vezes na vida eu agradeci aos instantes em que resolvi dizer sim no lugar de não. Estou nos Estados Unidos agora porque aceitei ir de penetra numa viagem para Brasília. Sou amigo de uma pessoa maravilhosa por haver dito sim para uma festa na qual eu normalmente não teria coragem de ir.

Eu já passei da fase do "sim para tudo" (realmente foi uma proposta de vida minha por alguns meses), mas não posso deixar de lado o maior aprendizado que tirei desse período: as chances da vida acontecer são maiores quando a gente permite. O caos algumas vezes bate na nossa porta, mas se a gente não abrir e ir lá fora ver quem é... a vida demora mais pra mudar. Algumas vezes, demora demais.

Toda noite

Estou em casa estudando embaixo da cama de meio casal quando ele passa, barulhento, chacoalhando nos trilhos, buzinando e lembrando que existe uma vida lá fora além do computador, dos livros e das folhas rabiscadas a lápis. Eu sempre fui fã de lapiseiras, mas o traçado no papel fica tão mais vivo e científico quando feito com um lápis. Não sei, pode ser só impressão minha. Ou é fruto dos rabiscos engenhosos de arquitetos e planejadores de coisas complexas que vejo na televisão. Cientistas de verdade, com jaleco branco e tudo.

Mais um ou dois dias e completo um mês nos Estados Unidos. É um país legal, com coisas divertidas para ver e fazer, além de uma universidade enorme que tem um sistema de ônibus próprio gratuito e uma biblioteca conectada com dezenas (centenas?) de outras bibliotecas em todo o estado e, creio, em todo o país.

Lá vai o trem de novo. Acho que passa a cada hora, talvez. Balança tudo, algumas vezes parece que a cama-escrivaninha vai cair. Isso me lembra que preciso comprar uma mesa e uma cadeira mais adequados para a minha altura quando estiver de volta a Goiânia. O frio me lembra que quero vestir roupas leves e confortáveis e sentir calor novamente. Os livros me avisam que estou cansado de ler e de escrever academicamente.

Acho que isso tudo é pra dizer que estou com saudades de casa e que toda noite aumenta. Não passam trens onde eu moro.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

Começa assim

Quinta-feira fui para a parada de ônibus e estava nevando. Eu normalmente caminho direto para uma parada que é protegida contra vento, mas vi uma senhora esperando e resolvi esperar junto. Em pouco tempo, estávamos caminhando de um lado pro outro, cada um na sua sincronia. Terminou que resolvi ir para a parada protegida, peguei o ônibus, que circulou o campus e passou na parada e a senhora pegou o ônibus. Descemos na mesma parada, não sem antes trocarmos olhares e um rápido sorriso.

Na sexta-feira, peguei o mesmo ônibus. Mesmo motorista. Mesma senhora. Sorrimos um para o outro.

Se as coisas continuarem assim, provavelmente começaremos a conversar. Talvez nos tornemos amigos. Talvez venhamos a nos importar um com o outro. Aí um dia pensarei que tudo começou de um jeito tão singelo, tão inesperado.

sábado, janeiro 21, 2012

Scott Pilgrim

Ontem revi Scott Pilgrim vs the world. Minha relação com essa história começou antes do filme, quando descobri a história em quadrinhos e baixei alguns capítulos para ler. Acabei baixando tudo que havia disponível até o momento, o que me deixou pendurado sem o final da história.


Eu me apaixonei rápido. Nem tanto pela história em si, mas pelo Scott. Ele é fofo louco engraçado perdido na vida e meio que sonhador. A paixonite foi ainda mais rápida pelo Scott do filme, que coloca uma voz arrastadamente meiga na criatura.


Aí eu fico pensando o motivo e nem demoro pra achar. Eu me sinto meio Scott Pilgrim, sonhando acordado enquanto caminho por aí. É mais ou menos a mesma coisa que me atrai na Amélie Poulain. Esse jeito sonhador fofo de existir é parte do que eu sou e do que eu quero continuar sendo, é parte do que a minha vida se trata. Saber disso meio que me deixa feliz =)

sexta-feira, janeiro 20, 2012

O mundo é grande

Fui à biblioteca da Ohio State University pesquisar sobre índios norte-americanos. Chegando lá, me deparei com uma seção sobre o Brasil. Folheei alguns livros e fui invadido por aquela sensação que me visita de vez em quando, de tempos em tempos: de que o mundo é tão grande que eu nunca vou entender tudo que existe nele, mas que aprender coisas novas é tão bom que eu desejo aprender o máximo possível. Bate um pouco de depressão por haver desperdiçado oportunidades ao longo da vida, tempos que poderia ter gasto lendo, leituras que poderiam ainda me acompanhar na memória... ainda assim, me sinto bem. Os dois meses que me restam aqui para pesquisar serão pouco. Aliás, começo a pensar que os anos de vida serão pouco pra tudo que eu quero abocanhar nesse banquete chamado vida.

Coisas de banco

Hoje é quase um desabafo. Ou uma reclamação. Fui no mercado, até o qual eu caminho por cerca de 20 minutos lomba abaixo, passei uma hora comprando coisas, cheguei no caixa e não aceitaram meu cartão do US Bank. Fui sacar dinheiro num ATM e também não aceitaram. Deixei minhas compras, fui em casa, 20 minutos lomba acima, tentei correr pra ser mais rápido, passei o resto do caminho ofegando e com o pulmão doendo pela minha ousadia. Peguei meu cartão do Banco do Brasil, voltei ao supermercado lomba abaixo por 20 minutos. Tentei pagar minhas compras, o débito não funcionou. Tive que usar o f***ing crédito pra fazer a coisa ir pra frente. Aí fui no banco aqui reclamar e no caminho me dei conta de que a única pessoa que eu poderia xingar era eu mesmo, pois fiz uma operação errada ao cadastrar meu cartão e isso significa que eu estava o tempo inteiro digitando a senha errada. Grrr.

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Coisas que a gente toma por certas

Eu trabalhava em uma editora cujo horário de abertura era 9h. A questão das horas não era muito importante, já que eu trabalhava apenas 20h por semana e poderia compensar atrasos com horários alternativos. Algo muito importante que meu chefe sempre dizia: "a prioridade são os estudos". Isso significava que eu tinha carta branca para me ausentar em qualquer momento que meus estudos assim requisitassem.

Naquele dia eu cheguei 9h20 e editora ainda estava fechada. Quando deu 9h45, eu estava já possuído pelo demônio da raiva quando finalmente a secretária - responsável por destrancar as portas - chegou. Ela sorriu, me cumprimentou como se nada tivesse acontecido e abriu a porta. Olhei o relógio do meu celular de novo, incrédulo, e a segui. Eu poderia ter brigado com ela naquele exato momento, mas eu tendo a preferir ser o cara que se controla e que respeita os outros. Ela deveria ter um bom motivo para aquele atraso, então por que eu pularia no pescoço dela antes de saber?

Quando ela me disse que eram 8h45, eu corri para o telefone e liguei para uma amiga apenas para perguntar as horas. O horário de verão havia começado e meu celular não ajustou automaticamente, como presumi que ele faria. Esse pequeno fato me tornou a piada do dia. Mais do que isso, esse pequeno fato poderia ter causado a erupção de uma briga desnecessária na qual eu estaria acusando alguém baseado no que o que eu acreditava que era verdade. Eu não saberia que estava errado. Nesse caso específico, seria relativamente fácil me provar o erro e me fazer pedir desculpas. Em tantos outros, porém, nem tanto.

Ontem conversei com um professor e lhe disse que estava interessado em trabalhar academicamente com ele de todas as formas possíveis durante o tempo em que estiver aqui nos Estados Unidos e, dependendo da natureza do trabalho, poderíamos continuar futuramente. Aliás, essa parte do continuar não foi explicitada, algo que devo corrigir. Ele não sabia e, pela minha falta de menção a isso, achava que eu não estava particularmente inclinado a essa parceria. Nas minhas primeiras semanas aqui, eu simplesmente assumi que ele estava ciente de quais eram as minhas intenções. Elas eram bem claras para mim, por que não seriam para ele? Porque ele é outra pessoa e tem outras coisas na cabeça.

Parece simples, mas quando esquecemos disso, verdadeiras bolas de neve podem se formar e sem demora se tornarem maiores do que conseguimos lidar.

Being alive

I was asked today what that means to me being at the Ohio State University. Well, the question is part of a inquiry that the university is doing with students regarding the image of the institution and which steps they can take from now on, in order to continue to expand it. I can't help but use this question as a way to think about my life and how it changes what I'm used to. In a sense, being here at OSU is a life changing experience. I know I could argue that any experience has the potential of doing so, but not quite end up doing so.

It is not that this place is better than others I've been. It is, in relation to some, but that is not the point. What I am learning (or remembering) here is that I have to go after what suits me and let go of what don't. It's not an easy process and certainly not one I am used to do. It hurts, specially when you desired that the very thing that right now isn't fitting should be the one that wouldn't change ever. Right now I am not happy. Yesterday was a day in which something very important changed, and in many senses it changed for the worse. I no longer have someone at home waiting for my news. More than that, I no longer have the desire to share them the way I always tried to.

I am a tourist here just the same way as I am in life. During this trip, I get to know people, to talk with them and to set some structures. Some of those people will appeal me enough and stick around for a while, or a long while. Others will be just fading memories in no time, because of a lack of impact or interest (mine or else). I have the possibility, by just being alive, to share experiences and moments and treasure them. I have something to offer to the world and to the people who pass by me. This thing I offer will be taken by some, rejected by others etc. It is not always in the same way, nor it is the same to everyone. A close friend receive a larger time of time and effort than a colleague, as well as a professor gets less of my personal thoughts than someone with whom I would share my bed with.

Part of being a close friend means putting some of yourself in the person you befriend. It is an act of love, of belief, of trust. You can't be a friend of someone you dislike. You can disapprove, but you have to trust. Otherwise it is not friendship we are talking about. Or at least not the same kind of friendship that I am. I can't date someone who hasn't the same dispositions about love, care, dedication, trust. I can't be with someone who in one day decided that I wasn't trustworthy. I can't be with someone who want to have me in a cage, like a bird who can only sing to its owner. There is a saying I saw once, it was something like: "if you want to have me, let me free". It is real only if I choose to be here. And I have chosen to be there and to work on a relationship that was supposed to be real. For me it was.

This raises ethical questions about being alive. How much are we willing to give up of what we believe to live in a shared world? I've done my part professionally under the argument that I need money to eat. I've let things happen, things that I disapprove. And when I saw, I was doing that on my personal life also.

In one point of my life, I've chosen trust people. I do trust my closest friends. I will trust you until the day I find out I was mistaken in doing so. But I will not share my life, my time and my affection with someone who can't do the same for me.

terça-feira, janeiro 17, 2012

Eu matei minha mãe


Domingo assisti a J'ai tué ma mére, do qual retirei esse pequeno pedacinho. Não é exatamente um trailer, mas  foi o clipe responsável por me fazer assistir o danado. Já o(u)vi inúmeras vezes, pois a música me agrada e me tempera.

Se eu recomendo o filme? Gosto da narrativa visual que ele propõe, existem cenas e soluções que talvez eu carregasse como influências na hora de fazer meu próprio filme. Fora isso, eu não funcionaria muito bem com o personagem principal, pois ele é um idiota. Um adolescente idiota. De alguma forma, acho que se deve esperar coisas idiotas de pessoas que estão no mundo há pouco tempo, ou talvez eles sejam os únicos que ainda não tenham se corrompido e cortado a crista. Não sei, mas o Hubert me cansa na sua rebeldia interminável e com suas explosivas reações frente a mãe.

Acabei de descobrir que além de ator, o rapaz também escreveu e dirigiu o filme. De acordo com o IMDb, "é uma semi-autobiografia". De alguma forma, isso melhora a imagem do personagem (?) na minha concepção.

segunda-feira, janeiro 16, 2012

Being Tales

Decidi escrever uma postagem por dia aqui na Raposa Antropomórfica. É um teste para verificar se tenho realmente capacidade de me engajar em um projeto plenamente pessoal e sem resultados previstos. Quero ser lido e acredito que tenho algo a compartilhar, mas não posso mentir dizendo que escrevo para os outros. Minhas letras são colocadas aqui por mim para mim.


Ano passado minha mãe me apresentou a um seriado chamado Being Erica. A história começa com uma mulher que aos trinta e dois anos se sente completamente empacada na vida. Nos primeiros cinco minutos do episódio piloto vemos Érica perdendo o emprego, levando um bolo do ficante e tendo um choque anafilático por ser alérgica a nozes. Tudo isso em um dia absolutamente normal de sua vida.

Aí entra em cena Dr. Tom, um terapeuta que se oferece para ajudá-la e consertar qualquer que seja o problema que ela venha arrastando em sua vida. Sua terapia é um pouco diferente: com uma lista de arrependimentos de Érica em mãos, ele começa a enviá-la de volta a cada um deles. O propósito não é que ela reescreva a sua vida, mas sim que aprenda com o que o passado lhe trouxe. O que poderia ser um seriado centrado em tentativas de alterar o passado e sempre esculhambá-lo ainda mais aos poucos vai evoluindo para uma imersão a perguntas importantes: quem somos nós? O que queremos? Do que não podemos abrir mão? Em pouco tempo eu me vi apaixonado não apenas pela Érica, mas também pelo Dr. Tom e todo o circuito de personagens que a circundam.


Eu já quis tantas vezes reescrever meu passado, revisitar meus arrependimentos. Nunca tive coragem de fazer uma lista deles, mas nem preciso, pois eles ressurgem e saltam aos meus olhos nos momentos mais inesperados. A gente erra e essa é uma das coisas mais difíceis de aprender. Como diz Dr. Tom, "você é seu paciente". Infelizmente, não tenho nas mãos a chance de voltar ao passado e aprender mais sobre mim.

Errado, eu posso sim. É isso que faço todas as vezes em que leio algum texto escrito anos atrás. É isso que poderei fazer quando olhar para trás e ver que me engajei em escrever diariamente em 2012. Eba!

Aquarela



Essa música tocava no recreio de um colégio pelo qual eu passava todos os dias.
De alguma forma, minhas manhãs ficavam mais coloridas.

domingo, janeiro 15, 2012

Imposições

Li no Tumblr a seguite citação:

Do not impose on others what you yourself do not desire.
Confucius


Eu concordo, claro. O que me deixa com medo é que frequentemente as pessoas pensem que o contrário, imponha sobre os outros o que você deseja para si mesmo, deveria ser a nossa conduta. Daí decorre a tentativa de tornar o outro mais como nós mesmos, a forma como as escolas disciplinam etc. Nós sabemos exatamente o que queremos para nossos aprendizes e, particularmente, para aqueles que são diferentes de nós. Queremos que eles saibam como é bom aquilo que nós sabemos que é bom. O que nós frequentemente ignoramos na nossa ignorância é que aquilo que é bom para nós não necessariamente satisfará a todos.

Nós somos universos, não universais.

O que queremos da vida?

Estereótipos são ruins. Ponto. Eles aceleram o pensamento e tornam tudo mais rápido, fato. Ao mesmo tempo, nos fazem deixar de lado as particularidades que diferenciam uma pessoa de um objeto.


Eu estava me preparando para construir uma argumentação sobre o que dizem sobre gays serem naturalmente promíscuos. Aí joguei no Google a palavra gay para tentar encontrar uma imagem bacana e, várias páginas depois, só corpos nus e pintos de fora. Eventualmente, uma piadinha sobre como o casamento gay vai destruir a civilização ocidental contemporânea.

Sempre lembro de um seminário que assisti com um professor australiano que vive nos Estados Unidos, Paul Duncum. Ele falou que não conhecia o Brasil, tampouco os elementos visuais que constituíam a nossa cultura. Então ele se dedicou a nos procurar no Google, encontrando as clássicas imagens de carnaval, samba, futebol etc. O argumento era de que nada daquilo que a busca retornou ele estava vendo desde que havia chegado, porém ainda assim aquelas são as imagens que povoam o imaginário de quem pensa a respeito do Brasil.

Certo, o que isso tem a ver com os gays? Quando construímos um estereótipo sobre o que significa ser gay e quais são as suas vivências específicas, acabamos nos acostumando a pensar que essas ideias de fato representam pessoas. Se o que estereotipamos está associado a coisas que consideramos negativas - pelo motivo que for, cultura, história,  religião -, então o estereótipo também será, por tabela, ruim. Não nos enganemos: é realmente difícil se livrar dessas ideias preconcebidas.


O que queremos de nós e dos outros? Que sentimos damos para isso que chamamos de vida? As respostas a essas questões ditarão as escolhas que faremos frente ao mundo e, especialmente, frente àquilo que consideramos não pertencer ao nosso universo, que é diferente de nós. O que entendemos como digno de existir, ou indigno o bastante que sequer mereça ser conhecido? O que eu defendo como certo? Quem pode ter os mesmos direitos que eu? Quem não pode? Quem deve arder no inferno?

O que eu defendo é que os sujeitos possam ser felizes sem ferir os demais. Abstrato, eu sei, mas direcionado o suficiente para me permitir ser razoável dentro das minhas crenças e para buscar momentos felizes para mim e para os que amo. Particularmente não me interessa o que tu pensa sobre gays, loiros, gaúchos, acadêmicos etc. Enquanto esses pensamentos não se tornarem ações nocivas, por mim tu é livre para ir e vir.

sábado, janeiro 14, 2012

Ônibus



A Ohio State University tem algumas linhas de ônibus que circulam gratuita e constantemente. Aquecimento interno, motoristas relativamente simpáticos e uma voz nem tão irritante que vai avisando qual a próxima parada. Muito divertido, e esse em particular tinha janelas com obras de arte. Achei adorável para distrair do frio que fazia lá fora!

Águas paradas


Existe um lago na OSU chamado Mirror lake, e com o frio ele começou a congelar. Eu, que nunca tinha visto um lago congelado, saí cutucando o gelo. Uma menina passante ficou espantada ao descobrir que eu nunca havia visto nada semelhante, perguntou de onde eu era e disse para que eu esperasse mais um pouco, pois então seria possível patinar no gelo.

Aos poucos, vou me acostumando com o que ainda não sei e aprendendo a fazer parte de uma cultura. Já não preciso de mapa para o ônibus acadêmico - mas não circulo muito na cidade -, e até consigo entender como funcionam os caixas de autoatendimento em supermercados. Quase como quem não quer nada, vou aprendendo. A diferença é que eu quero quase tudo.

Dinossauro


Essa foi ainda em Chicago, ainda no Field Museum. Após insistência, aceitei posar pra foto. Não tenho nada moralmente contra pessoas que tiram foto de si mesmas nos lugares famosos e colocam no Facebook, mas particularmente não é o que mais me atrai. Ando reservado imageticamente nesses últimos tempos. Será o frio?

Uma raposa em Chicago


No Field Museum, linda e empalhada, a raposinha vermelha ficava pedindo uma foto. Ei-la!

It gets better, parte 2

Esta postagem é uma continuação do que eu comecei outro dia. Basicamente, a forma como nos comportamos socialmente é uma declaração política. Pode ser silenciosa, na medida em que você está colaborando, compartilhando ou corroborando algo que já exista, já seja a norma, já seja normal. Ninguém precisa falar nada para declarar que é heterossexual, branco, classe média, tem uma esposa, dois filhos e um cachorro. Ao não dizer essas coisas, você está remarcando seu território. Ele já é seu, mesmo, tanto seu que nem precisa ser defendido.

Um homem afetado também está fazendo um ato político. Ele está errado. Não pelo jeito que ele é ou age, mas pelo contexto no qual está inserido. Na sociedade em que fomos criados, homens são poderosos, fortes, mal cheirosos e donos das mulheres. Coçam o saco em público e fazem isso porque podem, porque querem e porque é assim que sempre fizeram.

Quando meus colegas me respeitam por ser queer e ainda assim um cara de caráter, tem algo muito perverso em andamento, mas também algo positivo. Isso só é digno de nota porque eles não esperavam que um sujeito transviado pudesse ser competente ou estar numa posição de poder. É positivo por eles estarem vivenciando um exemplo de algo que não é comum para eles e que, tomara, faça alguma diferença. Não que eu ache que vá fazer. Esse é o problema do estereótipo: quando conhecemos alguém que escapa dele, esse sujeito se torna um indivíduo, mas o estereótipo permanece intacto para todos os outros que não conquistaram o mesmo privilégio. Basicamente, eu fui um viadinho que ganhou o direito de ser chamado pelo nome. Contudo, o ser viadinho não deixou de ser importante. Aí entra a questão de quem pode falar, quem tem o alegado direito de nomear. Eu só ganhei direito de voz - se é que ganhei - depois que o apesar de ser queer foi deslocado do primeiro plano.

Essa é a grande questão por trás desses projetos do It gets better. Algo acontece conforme a gente vai se afastando da escola: aos poucos, começamos a aprender que identidades são fluidas e que orientação sexual é apenas um pedacinho do que a gente faz. Embora sexo seja uma grande coisa na escola, o que faz sentido pela falta de experiência e excitação hormonal envolvida, aos poucos outras preocupações e ansiedades vão ganhando importância. As pessoas se tornam mais do que quantas tu pegou ontem?, ainda bem! Isso é particularmente positivo quando a tua resposta é sempre zero, já que tu estava muito mais interessado em outros corpos do que os que tu poderia falar pros amiguinhos. Ou, em casos como o meu, quando a pessoa era basicamente assexual.


sexta-feira, janeiro 13, 2012

Sobre o que eu pesquiso?

Essa é uma questão que surge com frequência no meio acadêmico. Tão logo alguém descobre que sou um mestrando, zap, querem saber o que eu estudo. Acho que faz todo sentido, já que estou me dedicando a um tema já tem quase dois anos. Estou interessado em investigar discursos sobre homossexualidade na educação (de artes visuais) (a distância), buscando entender quais as implicações (para os estudantes-prováveis-futuros-professores) em se relacionar com essa temátaica.

Como? Bem, em janeiro e fevereiro do ano passado ministrei cursos de extensão sobre sexualidade e educação. Essa experiência foi extremamente significativa para mim, não só como a primeira prática docente, mas também como o momento em que realmente pude perceber as distinções existentes entre tratar sobre sexualidade apenas teoricamente e estar inserido no mundo. Cada estudante trazia um exemplo, uma situação, um conflito já vivido e para os quais eu não tinha respostas. Acho válido deixar claro que a falta de resposta não adveio necessariamente de incompetência ou falta de experiência: eram situações únicas a serem pensadas e tratadas especificamente.

Minha escolha metodológica foi a de não oferecer nenhum tipo de resposta ou indicação do que fazer. Ao invés disso, procurei sistematicamente questionar e alfinetar os participantes do curso, de modo a explorar o que cada um entende por sexualidade e como constroi os seus entendimentos. Já de antemão, algumas percepções: um mês a distância é um tempo muito curto para tratar de um tema que é tão ignorado na formação escolar e universitária. Como esperar que esses sujeitos possam tratar de algo que têm medo, vergonha ou que pensam ser imoral?

Discursos sobre homossexualidade na educação, esse é o meu interesse atual. Conforme me aproximo do fim da dissertação e da experiência do mestrado, outros projetos e desejos começam a pedir licença para participar da minha vida. Eu sei que ainda não terminei essa etapa, mas o gostinho da conclusão de mais uma etapa vem se oferecer aos poucos...

O diabinho do capitalismo

Conforme comentei em uma postagem anterior, estou vivendo nos Estados Unidos. Para chegar aqui, precisei comprovar à secretaria de imigração (e à universidade) que eu teria condições financeiras de me sustentar durante esse período. Basicamente, um sujeito para estar aqui precisa provar que terá em torno de mil dólares por mês. Vale contabilizar o que ainda não se tem, mas que se pode indicar que terá, como salários vindouros. Então eu entrei em um regime de contenção de gastos e comecei a trabalhar um bocado mais do que de costume, para juntar o tal do dinheiro. Deu certo. Nesse processo, fui acompanhando mês a mês os números da minha conta bancária subirem e os custos do meu cartão de crédito diminuírem. Conforme eu terminava de pagar meu novo netbook ou meu telefone, o peso foi aliviando. Aí eu chego nos Estados Unidos e descubro que um Kindle custa $ 99 e que um iPhone custa $ 199 (mais o plano obrigatório de dois anos que os safados impõem aqui). E logo me descubro querendo essas coisas!


Eu já gastei alguns dólares em livros. OK, livros, cultura etc. Não é bem por aí, se eu não mudar algo drasticamente na maneira como levo minha vida, esses livros servirão apenas para impacto visual na minha estante. Por mais que eu goste de ouvir "nossa, como tu é culto, olha a quantidade de livros" quando alguém chega na minha casa, não paga o preço e certamente não vale as horas que eu vendi do meu tempo para efetivamente obter esses danadinhos - mesmo que a preços módicos.

Essa é a grande questão, aqui. É tudo tão mais barato do que estou acostumado, portanto é fácil pensar "ei, mas quando eu vou encontrar esses preços de novo?". Aí cogito novo computador, novo celular, um tablet, um e-reader (pois vem com a tecnologia do e-ink, que aliás é realmente muito legal) etc. E o dinheiro para pagar tudo isso, onde está? E o meu uso para essas coisas, que será só de manter caixinha na gaveta?

Logo que cheguei aqui, comprei uma câmera fotográfica. Coisa simples, point and shoot, uma Canon modesta e sem maiores pretensões. Ela já resolve minha vontade de registrar momentos visuais. Detalhe: meu celular também faz isso e com alguma competência. Quem está sempre comigo, o celular ou a câmera? Ela está lá enfiada no meu escritório, e hoje, quando quis fazer uma postagem sobre Chicago, descobri que precisarei esperar a fim de que minhas próprias imagens acompanhem o texto.

Existe tanta coisa que eu posso obter de graça numa biblioteca, na internet, na casa dos meus amigos. Ainda assim, eu quero ter isso tudo. E não, não estou dizendo que vou parar de comprar coisas... Apenas é uma questão de pensar antes, ver se vale a pena, ver se eu vou de fato usar. Já decidi: não comprarei um e-reader enquanto não estiver de volta ao meu ritmo antigo de leitura. Tenho vários livros em casa para ler, por que arranjar um dispositivo que me permitirá ler muitos mais? Para acumular? Vou aproveitar esse meu (breve) momento de lucidez e dizer "não, obrigado".

It gets better

É daquelas coisas que eu não paro muito para pensar. Sou assim, feliz e saltitante. Viadinho, bixinha, cara alegre, essa mistura de movimentos (que tentam ser) graciosos e afetação (algumas vezes até histriônica). Ia dizer que nunca me foi um problema, o que obviamente é uma mentira, por causa do tal do bullying na escola, que acontecia bem antes de eu ser, ou agir, tudo isso.


Não é sobre a escola e suas pressões que eu desejo comentar agora. Foi um período difícil, todo mundo sabe, mas eu sobrevivi e atualmente consigo lidar muito bem com isso. Certo, eu ainda atravesso a rua se algum ex-colega estiver vindo na minha direção, mas se não houver escapatória, eu até que dou conta de ser um sujeito social e superar minhas fobias. É até engraçado como eu mudei, de lá para cá, mas esse não é o foco deste texto.

Estive conversando com um ex-colega de trabalho e ele se pôs a comentar o quanto meus colegas me respeitavam no serviço. Eu sempre acho esse tipo de comentário suspeito, nunca aprendi a confiar em elogios. Acho que é parte daquele estigma que a gente carrega de termos que carregar humildade para todos os cantos, e portanto elogios são desafios a essa missão. A verdade é que eu sou um ótimo trabalhador e costumo ter sucesso tanto em fazer o que sou contratado quanto para me relacionar com as pessoas. Aí meu ex-colega comenta que apesar do meu jeito queer, todos me respeitavam. Que eles, apesar de serem machistas inveterados, me admiravam como uma pessoa de personalidade.

Não acho improvável que minha qualidade fosse aprovada e respeitada, tampouco que isso fosse apesar de como eu ajo ou deixo de agir. Não poucas vezes eu fui o sujeito a rir dos outros e, ao mesmo tempo, respeitar determinadas características. Fico pensando, apenas, se o eu do ensino médio teria sido capaz de lidar com essas risadas tão bem quanto eu consigo. Ainda não aprendi a lidar com desrespeito, isso é fato, mas pelo menos eu já não tenho mais dúvidas de quem eu sou (estou), tampouco do que eu posso fazer. Por mais que eu desaprove a ideia geral por trás da campanha, sou obrigado a dizer que it gets better.

O poder das imagens


Estou aqui pensando sobre meu projeto de doutorado. Ele está mais ou menos redondinho, agora que consegui finalmente tirar da cabeça a necessidade de ser coerente entre todos os passos que eu der na minha carreira profissional-estudantil. Não que eu tenha como reverter a promiscuidade intelectual que já me marca: jornalismo, design gráfico, cultura visual, revisão de língua portuguesa... Penso atualmente em me bandear para os lados da antropologia cultural, especialmente se meus futuros estudos mostrarem que essa área pode abraçar minhas atuais preocupações. Isso levanta duas questões:

1) Encontrarei um programa de pós-graduação que me/se permita transitar por entre áreas e estilos? Estou ciente de que quanto mais afastado das artes, mais difícil de encontrar essas liberdades, porém não sei se suportaria quatro anos preso a um tradicionalismo que já não faz sentido com o que acredito e defendo. Contudo, não me vejo mais escrevendo "objetivamente" na terceira pessoa do plural, tampouco desvendando verdades. Além disso, tenho um problema prático: com formação em áreas diferentes, a possibilidade de fazer concursos e me tornar um professor de universidade federal diminuem consideravelmente.

2) Poderei discutir o que me interessa, sendo que isso envolve sujeitos jovens e seus corpos? Precisei pensar bastante antes de postar essa imagem aqui na Raposa Antropomórfica, pois não sei se ela já não pode ser considerada pornográfica e, portanto, significar a perda do meu endereço virtual. Ainda não vou explicitar meu projeto, pois apesar dele estar razoavelmente bem delineado, desejo estudar mais a respeito, para que minhas decisões estejam bem informadas.

O que colocar no currículo

Estou assistindo a uma aula que chama Postioning Passion, cujo foco é bem específico: como se posicionar profissionalmente na área que diz respeito à sua paixão. Sendo uma aula para o campo das artes, hoje discutimos sobre auxílios financeiros e, também, sobre currículos. A grande questão motivando a aula toda foi: com que informações preencher o danado?

Eu não sou nenhum especialista, mas já tive a oportunidade de fazer alguns currículos por aí. Como acadêmico, eu tenho a vantagem do Lattes, que padroniza essas informações e evita que cada pesquisador tenha uma forma absolutamente distinta de se apresentar. E quem não é acadêmico, como faz? Bem, creio que existem algumas dicas que devem funcionar para qualquer caso. A primeira e mais evidente é: pesquise antes para onde seu currículo será enviado. Isso é realmente o básico para qualquer coisa que formos fazer, pois se tivermos informações de antemão, construiremos algo mais específico. Aquela coisa básica, se tu tem experiência na área da empresa que está recebendo teu currículo, não precisa nem pensar duas vezes antes de mencionar e dar destaque para essa informação.

Ah, posso mencionar também que eu danço Hip Hop? Essa informação pode ser útil em alguns contextos, mas geralmente os currículos representam a forma como o sujeito está se apresentando. Infelizmente, essa apresentação costuma ser breve e rasteira. Em poucas palavras, eu, empregador, preciso saber que a pessoa representada por esse pedaço de papel é competente para exercer as funções pelas quais eu pagarei. Então talvez não seja tão importante saber o que a pessoa sabe fazer com seu corpo, quando a vaga em questão é de telemarketing.

Porém, não sejamos deterministas! Meu primeiro trabalho foi em uma editora, e como não tinha experiência nenhuma, coloquei que estava fazendo faculdade (jornalismo), que sabia operar alguns programas de computador (inclusive o requisito para a vaga de editoração) e quais idiomas dominava ou estava estudando. Meu futuro chefe me elogiou consideravelmente pelo interesse em línguas, o que pode ter sido determinante para que ele advogasse em meu favor frente à diretoria. Aí fica a questão: quem lerá o nosso currículo será (quase) sempre uma incógnita. É uma aposta baseada no que pensamos que o leitor achará positivo. Algumas vezes a gente acerta!

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Eu sou um turista

Há três semanas, eu moro nos Estados Unidos. Sou um acadêmico convidado pela Ohio State University para pesquisar aqui e estabelecer relações internacionais. Sou, também, um alien para a instituição, ou ao menos foi assim que eles me classificaram oficialmente. Não que eles precisassem de qualquer coisa para fazer com que eu me sentisse ainda menos pertencendo a esse espaço. Sou um turista cujo domínio da linguagem não é suficiente para que eu seja percebido como igual. Se no Brasil essa mesma característica usualmente eleva os visitantes, salvo se forem do mesmo continente, aqui ela nos deprecia. Eu, brasileiro, preciso que falem comigo devagar, que dediquem a se fazer entender e, principalmente, a decifrarem o que eu estou falando. Necessito que tenham paciência em me ouvir de novo e de novo.

Ainda assim, eu sou um acadêmico convidado, o que me coloca numa posição de destaque e de exigência. Eu sou especial, na medida em que posso assistir a aulas e discutir com professores, mas não especial o bastante para realmente influenciar nesses acontecimentos ou ser ouvido. Não estou aqui por alguma qualidade inerente ao meu trabalho, mas sim para cumprir protocolos acadêmicos entre instituições e personalidades que estão acima de mim. Obviamente, isso não significa que não posso colher frutos dessa vivência.

Isso tudo está confuso, eu sei. Como alguém que não pertence a esse cenário, posso perceber de modos diferentes do que o faria se estivesse conformado e inserido. Essa é uma vantagem do meu ponto de vista teórico. Ainda assim, é incrivelmente frustrante ser reconhecido por uma das características que sempre considerei das menos importantes: minha nacionalidade.

Fica a questão: o que posso fazer para que esse deixe de ser um marcador a me acompanhar? Ou: o que posso fazer para que esse marcador se torne um ponto positivo, ao invés do que ele atualmente é?
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