sexta-feira, abril 26, 2013

Escrever diariamente é um desafio

Um desafio grande e que eu não tenho conseguido vencer. Porém, seguindo as sugestões de Leo Babauta, vou tentar tornar isso um hábito. Hábitos, como sabemos, são a base do nosso comportamento. Preguiçosos (ou extremamente funcionais), nossos cérebros tentam sempre trabalhar a partir do menor gasto de energia possível. Isso inclui preconceitos e estereótipos, não porque somos maus, mas porque eles são fáceis de memorizar e reproduzir.

Como criar um hábito?
O primeiro passo é começar. Se tem um hábito o qual eu realmente faço questão de introduzir na minha vida é o de escrever, então estou mais uma vez aqui. A Raposa é (e tem sido há sete anos) minha muleta nesse processo. Agora que estou escrevendo um romance (até agora: sete páginas), tenho vindo menos aqui, mas não significa menos escrita.

A melhor sugestão que encontrei até agora para adquirir hábitos é começar pequeno. De nada adianta querer escrever cinco páginas por dia quando não estamos acostumados a escrever nem mesmo uma. Por isso, vou (re)começar pequeno. Um textinho aqui, uma horinha ali, até acostumar.

segunda-feira, abril 22, 2013

A mágica da escrita

Esse textinho é uma resposta a duas perguntas que foram feitas pela ohlais em comentários. A primeira foi nem bem uma pergunta, mas uma empurradinha sobre eu estar escrevendo. A segunda, sim, uma pergunta daquelas bem perguntas e bem difíceis: o que eu e meu digníssimo fizemos quando o moço nos ameaçou? Como se reage a esse tipo de coisa?

Meu segundo primeiro romance está caminhando. Eu e ele já conversamos por sete páginas e é aqui que entra a mágica da escrita: a cada vez que abro o arquivo e volto a escrever, ele se transforma. Já sinto como se eu não tivesse exatamente controle sobre o que virá, sobre o que será o produto literário final. A história se conta através de mim, é verdade, mas ela se modifica conforme as ideias vão se autoavaliando e questionando. Meu personagem principal já mudou tantas vezes em poucos dias que tenho a certeza de que não sei aonde ele terminará. Sim, ele terminará, como jaz acontecer a qualquer forma de vida, nem que seja na minha imaginação. Talvez ele persista na de outras pessoas, talvez siga comigo até o meu fim. Não sei, a única coisa que sei é que ele é poderoso assim.

Quero continuar a escrever e pretendo que essa história seja publicada. Lutarei por isso quando a terminar. Acho que está na hora de enfrentar meus medos de ser público e de ir atrás dos meus sonhos de escritor. Posso levar anos até concretizá-los, então é bom começar o quanto antes. Isso tem sabor de vida.

O que, aliás, já é a resposta ao "o que vocês fizeram, o que se pode fazer?". Na hora, a gente soltou as mãos e morreu de medo. Uma parte de nós certamente morreu ali, isso pode ser dito: a parte que andava de mãos dadas na rua sem tanto medo. Ontem mesmo, caminhando na rua, soltamos as mãos quando avistamos algumas pessoas vindo de longe. De certa forma, uma parte da nossa liberdade se perdeu.

Por outro lado, eu estou escrevendo um romance a partir desse evento. Meu personagem principal é meu cúmplice e ele sente o que eu senti. Na verdade, eu senti uma parcela do que ele sentiu. Então pode-se dizer que a minha resposta à ameaça homofóbica seja essa: se fui ameaçado de morte, então respondo com vida, respondo com transformar parte de mim em algo que tenha um alcance maior. Eu não tenho o poder de mudar pensamentos, pensamentos se mudam por força própria. O que eu posso fazer é jogar no mundo sementes de inquietação e, espero, meu livro será uma delas. Essa, aliás, também é uma mágica da escrita.

quinta-feira, abril 18, 2013

Um pouco de literatura

Ainda é cedo, eu sei, mas hoje eu comecei a tornar em letras minha próxima ideia de conto/romance. Não sei ainda que tamanho ele terá até que eu consiga contar a história que estou me propondo, mas só de trabalhar com as letras e as palavras já me sinto extasiado. Isso recomeçou com o concurso no qual tive um conto aprovado (a ser publicado dia 1° de junho) e desde então está clara pra mim a principal diferença entre as infinitas de pessoas que sabem fazer coisas e não fazem e as que sabem fazer coisas e fazem. A diferença é a ação.

Eu sei desde pequeno que amo escrever e que consigo escrever relativamente bem. Leio aqui e ali pessoas que arrogantemente considero menos qualificadas que eu na tarefa de contar histórias. O que as distancia de mim? Hoje, talvez menos que ontem, mas a principal diferença sempre foi a minha falta de ação. Se eu não escrevo para o mundo, como posso querer ser lido? Publicado? Aceitar os riscos de nossas ações é condição necessária para colher frutos de sucessos.

É por isso que estou recomeçando a escrever. Estou reescrevendo meus contos antigos e mandando-os para concursos e agora voltei a produzir material novo. Até o momento, chama-se minha nova história Aconteceu ano passado. É isso, queria apenas compartilhar um pedacinho dessa felicidade. Um possível primeiro trecho será publicado hoje na Raposa do Face.

terça-feira, abril 16, 2013

Conhecendo a sogra

Foi no sábado. Conheci ao mesmo tempo sogra e cunhada. Até alguns minutos antes delas chegarem na minha casa (eba, ao menos o território não era o delas!), eu acreditava que haveria outras pessoas ao redor para nos distrair e não obrigar as atenções a ficarem apenas entre nós. Meu namorado, ainda que o protagonista dos afetos das três outras pessoas na sala (quarto-sala, na verdade), não tinha muito o que fazer. Estávamos ali para construir um terreno comum sobre o qual pudéssemos pisar. Ela(s), de um lado, me analisando e decidindo se sou uma pessoa aprovável. Eu, do outro, analisando algumas das influências que tornaram meu digníssimo na pessoa que ele é hoje.

Conhecer a sogra é um momento especial em qualquer relacionamento. Por sogra quero dizer qualquer pessoa responsável pela criação de alguém que a gente gosta. De certa forma, é um momento de ingresso em uma nova família. Ou melhor, um momento de ampliar a família que se está estabelecendo com alguém. O risco de conflito está na percepção de qual relação importa mais: para mim, é a minha com o digníssimo. Para a sogra, provavelmente é a dela com o filho. Grandes conflitos podem surgir dessa diferença de percepção de realidade, especialmente se adicionarmos pitadas de egoísmo ou de ciúmes.

Em resumo, posso dizer que deu tudo certo em nosso encontro. Durou uma hora. Estávamos ambos nervosos e tateando as palavras com absoluto cuidado. Rimos bastante. Rir, aliás, é uma dica preciosa quando o contexto permite. Não estávamos rindo de confortáveis, não, certamente não, mas mesmo nosso riso nervoso indicava que tiramos do caminho possíveis farpas. Éramos duas pessoas com interesses em comum (o bem de uma mesma pessoa) avaliando como poderíamos desempenhar nossos papéis da melhor forma possível.

Por isso digo que aconteceu tudo bem. O maior exemplo disso talvez seja nosso encontro, que começou com um distante e nervoso aperto de mão, mas terminou com um aproximado e nervoso abraço.

domingo, abril 14, 2013

Homofobia mata

O leitor já conhece essa história: eu e meu namorado passeamos de mãos dadas pela rua e alguém nos olha atravessado. Desta vez, porém, fizeram mais do que apenas olhar. Era um rapaz num ônibus, algo entre dezesseis e vinte anos. Cabelo descolorido. Ele colocou a cabeça pra fora da janela do seu ônibus e gritou para soltarmos as mãos, do contrário iria nos matar. Iria descer na próxima parada e nos matar.

Estou ainda tentando compreender o que aconteceu. Por que exatamente minha vida esteve em perigo? Por que dois homens de mãos dadas causam tanto temor? Por que a minha existência e a minha felicidade produziram tanto ódio num sujeito, a ponto dele ameaçar essa mesma existência e felicidade?

Eu já tentei pensar uma vez sobre a violência e cheguei cheguei à conclusão que se trata de um exercício direto de poder sobre algo que te incomoda emocionalmente. Como se a realidade não fosse tolerável daquela forma e a pessoa precisasse agir. O que há de intolerável no amor?

Talvez sabendo do que acontece nas ruas da vida algumas pessoas que acham correto ensinar a seus filhos que não pode homem com homem e mulher com mulher repensem suas atitudes. Quando alguém ensina que algo está errado, implicitamente está ensinando que a coisa certa a se fazer é corrigir o erro. Será que andar de mãos dadas é um erro que mereça ser "corrigido" com a morte?

Ou o erro a ser corrigido não seria o ódio e a intolerância?

Para ser mau basta não ser bom

Assisti a um vídeo do TED (desculpem pela péssima formatação, não consegui anexá-lo aqui direto do TED sem que isso significasse um atropelo das "margens") sobre "como pessoas comuns se tornam monstros... ou heróis".



Na base do argumento do palestrante está a noção de que se não agimos em relação a algo, podemos estar compactuando (algumas vezes sem saber) com maldades e com um sistema que facilita e perpetua o abuso de poder de uns sujeitos sobre outros. Para ele, o sistema é problemático e não basta pensar a maldade como algo que acomete o indivíduo, tampouco pensar o indivíduo apenas em relação ao social. O social é fortemente influenciado pelo sistema, pelas regras, pelas leis etc.

Eu concordo com ele não apenas racionalmente, mas também de experiência. Houve uma vez em que tive a oportunidade de interferir (e potencialmente impedir) em uma briga que estava para acontecer. Eu poderia ter impedido que um amigo fosse socado, bastava usar o meu tamanho e me colocar entre ele e seu "oponente". Coisa patética de crianças arrogantes demais para entender que socar um ao outro é bobagem. Ou de crianças bêbadas demais na noção de poder machista. Enfim. Só que eu fiquei lá parado, sem fazer nada. Eu estava com medo, para falar a verdade. Medo de agir, medo de interferir.

Isso, me parece, é suficiente para que infinitas possibilidades morram: basta a gente ter medo de agir.

quinta-feira, abril 11, 2013

Mães que existem por aí

Algumas mães me deixam preocupado. Outras, instigado. Outras ainda, como a minha, feliz. Nos últimos dias, cruzei com dois exemplos no mínimo curiosos.

De um lado, a mãe que acha que não é homofóbica quando defende o direito de ensinar ao filho a não gostar de gays. Ou melhor, que diz que ama, só não ensinaria o filho que se ele quiser amar alguém do mesmo sexo, ele pode. A impressão que fica é que falta dicionário nesse mundo. Não é uma mera questão de desaprovar um comportamento: é questão de ensinar uma pessoa a considerar outras pessoas como inferiores. "Ah, mas vou dizer pra amar". Sim, tu pode amar, pode tolerar, só não pode ser. Se for, faz o quê? Exorciza?

Aí hoje cruzei, também virtualmente, com uma mãe que fotografou o filho segurando uma placa dizendo que o Feliciano não o representa. A criança deve ter uns cinco anos, no máximo. Lindo, bacana, fofo, razoavelmente apelativo (o que não é, em si, ruim). Aí vem um sujeito e comenta que a mãe está impondo um pensamento na cabeça da criança, que ela deveria ser livre pra crescer e decidir por conta. Peraí, pausa geral. O carinha está mesmo dizendo que não é pra ensinar à criança a amar e defender os direitos humanos, se possível os direitos dos outros humanos? Hummm...

Por que fico com a impressão, assim de leve, que esse mesmo sujeito concordaria com a mãe que ensina a amar, mas só a amar, nunca a ser? Naquela linha de amar ao próximo, mas só enquanto ele fica distante.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=444933582254805&set=a.251608918253940.60133.100002145024680&type=1&theater

quarta-feira, abril 10, 2013

O tempo do olhar

Um leitor vive mil vidas antes de morrer. O homem que não lê vive só uma.
Atrasado para a aula, o esperto aluno folheou Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e descobriu que o autor era fácil de ler e entender porque escrevia tudo em subtítulos. Ora, por que ler os capítulos se ele já resumia todo o seu argumento desta forma? Leu no ônibus, rabiscou algumas coisas com o lápis balançando e se encaminhou para a sala de aula a tempo de contribuir com uma ou outra colocação. Desde esse dia, o nome Paulo Freire lhe acendia no cérebro luzes de ingênuo, simplista e auto-ajuda para educadores. Afinal, que bom argumento poderia ter um autor que escreve por meio de subtítulos óbvios?

Por sugestão de amigos, uns dois anos depois, o então professor se pegou novamente lendo Paulo Freire, desta vez na companhia de um chá quentinho através da madrugada, não da pressa desenfreada de um ônibus sacolejante. Desta vez com algum tempo, dedicou-se a ler a introdução. As palavras todas pareceram diferentes. Teria o livro se transformado ao longo dos dias em que esteve guardado na estante, se reescrito e se tornado mais profundo, menos ingênuo, menos simplista?

No trânsito das identidades, o aluno que virara professor voltou a ser estudante e decidiu dar uma chance ao autor e também a si mesmo: a chance de um olhar humilde, de um olhar que só se permitiu ser humilde por haver compreendido que, não muito antes, se sentia no direito de julgar o mundo. Um olhar de criança com o dom de saber tudo tornado em um olhar de quem entende a mágica dos livros que se transformam na estante.

segunda-feira, abril 08, 2013

Orientação vocacional para leigos

leigos

Antes de mais nada, esse livro é ótimo. Ando com ganas de mudar de rumos e ele me respondeu várias perguntas que eu tinha sobre psicologia e psicanálise. Duas respostas me dão sobre eu ser psicólogo: (1) eu seria um ótimo psicólogo, (2) mas não devo fazer isso porque o mercado está saturado de terapeutas e bem difícil de ganhar dinheiro.

A isso, tenho algumas respostas. Escolhi o jornalismo pela minha fantasia de que poderia sair me aventurando e escrevendo sobre lugares inóspitos e maravilhosos. Isso, é óbvio, foi uma ilusão. Outra coisa que foi uma ilusão era acreditar que, porque gosto de escrever, o jornalismo seria um bom caminho para mim. Essa é uma coisa que poucas vezes nos dizem quando somos mais novos: a gente não trabalha por prazer. Isso dito, não há nada de errado em fazer aquilo em que se é bom (pelo contrário), mas não significa que nossa vida será recheada de prazeres a partir do trabalho. Não significa, portanto, que saber desenhar deve nos levar à publicidade ou às artes. Que saber ler (haha) nos leva às letras. Discutir, ao direito. E assim por diante.

Depois de alguns anos navegando entre o jornalismo, o mestrado e o ser professor, dei-me conta de uma coisa. Devemos seguir aquilo que acreditamos. Óbvio, não é mesmo? Nem tanto, especialmente quando percebemos que o mundo os oferece opções infinitas. Ontem li no Facebook um amigo falando sobre os jornalistas que desempenham seu papel com afinco, sujeitos curiosos que desejam compartilhar, informar, levar o conhecimento aos outros publicamente. Eu não sou essa pessoa, não tenho esses interesses e ainda assim passei quatro anos e meio me formando para ser jornalista.

De volta ao livro da psicologia e aos motivos pelos quais eu não deveria cursar essa segunda graduação, fico pensando no argumento "mercado saturado" e "difícil ganhar dinheiro". Acabei de aconselhar que façamos aquilo que acreditamos. Posição idealista, é verdade. Principal consequência: a probabilidade de ser reconhecido como uma pessoa boa no que faz é bem maior do que a de ter uma conta bancária invejável.

Escolher uma profissão não é só decidir aquilo em que se é bom, mas também misturar com o que acreditamos que podemos fazer para nós e para os outros. A realidade nem sempre será a mais amistosa aos nossos desejos, por isso algumas vezes precisamos tornar um costume o ato de desafiá-la.

domingo, abril 07, 2013

Dizer "não" faz parte

Acordou de um sonho bonito com o barulho do despertador. Levantou arrastado e o relógio lhe disse as horas: seis. O calendário contribuiu informando o dia: domingo. Sentou ao pé da cama e viu o amor ainda a dormir. Suspirou. Obrigações de trabalho. Suspirou de novo. Domingo de manhã. Levantou e foi preparar um café. Um chá quente para acordar, um pão com queijo presunto alface tomate manteiga pra fortalecer. Depois de um último suspiro, ponderou as vidas que ainda não aconteceram, jogou tudo pro lado e voltou para a cama e para o abraço (inconsciente, mas ainda gostoso) do seu amor. Alguns futuros não fariam falta naquele domingo.

A vida tem esse costume de acontecer sem perguntar, enquanto nós viventes temos o de aceitar isso. Hoje foi um dia em que, por uma série de encaixes, eu acabei em um lugar no qual não gostaria de estar e passei algumas horas pensando "saia daí, seu tolo". Não, eu não estava correndo risco. Não havia nenhum perigo, exceto o perigo de desperdiçar a minha vida.


Tenho dito aos meus alunos que saber aonde se deseja chegar é uma determinação importante para pensarmos na trajetória que percorreremos. Do contrário, nossas chances de alcançar nossos objetivos diminuem consideravelmente. Aquela cena de Alice no País das Maravilhas em que o gato diz a ela que se não sabe aonde quer ir, qualquer caminho é válido.

De vez em quando, somos convidados a participar de situações nas quais não estamos interessados. O que nos resta é decidir se o preço do investimento vale a pena. Nem estou falando de dinheiro... Muitas vezes o que temos que investir é o nosso tempo, que como bem sabemos – mas esquecemos – não é infinito. Quando eu decido investir o meu tempo em algo que não quero fazer ou que acredito que não contribuirá para meus objetivos, não estou apenas usando minha vida para algo que não gostaria de estar fazendo. Mais do que isso, estou deixando de usar o meu tempo e a minha vida para o que desejo.

Em resumo, estou perdendo o tempo que uso e também o que não usei.

quinta-feira, abril 04, 2013

Não fique só nas ideias

Neste semana, alguns alunos apresentaram um trabalho que inclui uma proposta de "semana da diversidade" a ser organizada e implementada em alguma escola. O esboço do projeto já inclui possíveis palestrantes e também uma página da internet. Claro, tem muito ainda a melhorar, mas como qualquer projeto que foi iniciado (ou seja, que saiu da exclusividade do plano das ideias), ele está ali e agora pode ser interferido por outras pessoas.

Ontem, na aula, pediram para que eu falasse sobre processo criativo. É um tema que eu gosto muito, mas que nunca parei para sistematizar uma foma de orientar um processo de aprendizagem. Eu acredito, no que tange à criatividade, que devemos antes de mais nada fazer o que quer que seja. A partir das primeiras tentativas, geralmente fadadas ao insucesso, chegaremos a ideias melhores e também a execuções mais competentes. As primeiras coisas que rabiscamos costumam ser as óbvias, as fáceis, as mais acessíveis no nosso cérebro. Criação não é inspiração, criação é ofício. Sem prática, sem evolução.

quadrinhos gay
http://oquartoaolado.com/
O livro O quarto ao lado foi uma grata surpresa que cruzou meu caminho. Como iniciei meu mestrado interessado em histórias em quadrinhos com personagens queer (para depois passar por um longo período de reconsideração do que eu entendo como "personagem queer"), acabei conhecendo pessoas com interesses semelhantes. Foi assim que o livro veio parar na minha mão: o moço responsável por ele (Marcelo Lima) entrou em contato e me enviou uma cópia para que eu pudesse conhecer o trabalho.

O livro traz quatro histórias, três delas em quadrinhos e uma em forma de conto, que abordam possibilidades de diversidade sexual. É um projeto inspirador acima de tudo pela sua construção e efetivação, provando que é possível dar visibilidade a vozes e histórias que muitas vezes tendem a ser ignoradas. São narrativas de encontros e desencontros que se misturam bem do jeito que a vida gosta de fazer: com um sabor de "não achei que pudesse, mas aconteceu".

produção editorial
https://www.facebook.com/eloeditorial
Outro projeto que também tem me inspirado é a Elo Editorial, grupo de estudantes do curso de Produção Editorial da Universidade Federal de Santa Maria que se reuniu para começar a experimentar os modos de fazer livro. E fizeram. Já lançaram duas edições do livro Bang, que reúne prosas e poesias selecionadas a partir do material enviado por interessados. O resultado, entre textos e ilustrações, é bastante agradável.

E a raposa, publica quando?

Os leitores costumeiros sabem que eu tenho um interesse por publicação que aparece em inúmeras vias. Como pesquisa de doutorado, jovens que se publicam nus na internet. Como profissional, os processos de escrita, revisão e diagramação de livros e periódicos. Como artista/escritor, a parte de escrever e efetivamente publicar ou ser publicado.

O que falta para qualquer um desses três "eixos" crescer? Eu dar os passos necessários para isso, tirar as ideias da cabeça e dar forma real a elas. Recentemente tive uma grata surpresa: enviei um conto para um concurso e fui aprovado como um dos autores que serão lançados no livro da Editora Escândalo. O que isso significa? Que minha vida de escritor foi definitivamente retomada e que estou escrevendo 748473 textos por dia? Não. Significa que um grupo de pessoas que publica materiais na linha dos que eu escrevo gostou das minhas letras e resolveu publicar. Significa que o mimimi de "talvez eu não escreva tão bem pra publicar" não deveria mais ser sustentado como desculpa para me impedir de trilhar os caminhos que desejo.

Acima de qualquer coisa, significa que se eu não der um primeiro passo (e todo dia precisa de um novo primeiro passo), nada mais vai acontecer. Enquanto agir não for um hábito, eu serei a raposa que apenas gostaria de ser, mas não é.

segunda-feira, abril 01, 2013

Como sair do armário

De acordo com a Wikipedia, sair do armário significa fazer "o anúncio público da orientação sexual ou identidade de gênero de alguém, ou de si próprio". É sobre isso mesmo que estou escrevendo hoje: sobre essa mania irritante que o mundo tem de querer que anunciemos nossa identidade, como se gostar de homens me tornasse um tipo diferente de pessoa.

gays saem do armário
"Eu preciso confessar... Gordo, eu sou gay"
Só quando rolou a minha primeira experiência sexual com um cara é que passei a perceber minha vida como algo possível. Até então, eu sabia que não conseguia me relacionar direito com seres humanos da forma heteronormativa (para entender melhor, veja o que escrevi aqui e dê uma olhada na Wikipedia) que todos esperavam. O que eu não entendia é que poderia me relacionar de tantas outras formas! Quando voltei à minha rotina (eu estava na metade da faculdade), passei a me ocupar de duas coisas: (1) viver e experimentar a vida; e (2) conversar com as pessoas.

Viver e experimentar a vida

Nem sempre a gente tem ciência do que pode fazer. Muitas vezes, aliás, não saber que algo é possível acaba nos limitando. Nem todos temos coragem de sair e desbravar o mundo sem saber o que nos espera. Eu, por exemplo, sempre fui medrosinho. Até tentava aqui e ali alguma interação afetiva/sexual com outros moços, mas era tão sem jeito (e estava procurando tão no lugar errado) que nunca rolava nada.

Depois que entendi que não precisava ser igual a todo mundo, passei a procurar oportunidades de exercer meus desejos. De vivê-los. Aos poucos, foi ficando claro que sair de casa, ir em festas e conhecer pessoas através da internet eram boas maneiras de alcançar esse mundo do qual eu queria participar. Ficar sentado em casa desejando é algo que mais nos machuca do que ajuda.

Conversar com as pessoas

Esse é o ponto que normalmente as pessoas consideram "sair do armário". Cada pessoa tem uma capacidade diferente de lidar com a vida e com as suas pressões. Eu, por exemplo, precisava verbalizar (falar e escrever) para tornar real o fato de gostar de rapazes. Aos poucos isso deixou de ser uma necessidade, mas meus primeiros passos na vida sexual realmente precisavam desse apoio. Se isso acontece, "sair do armário" é um bom caminho.

Eu conversei primeiro com o meu melhor amigo na época. Ele me indicou um outro amigo, que também gosta de moços, e a partir daí eu tive com quem conversar abertamente e trocar ideias e experiências. Saber que não se está sozinho é uma das coisas mais maravilhosas que existem. Até então, eu estava. Como eu não entendia o que estava acontecendo com meus desejos, eu não sabia como procurar ajuda. Para mim não fazia sentido gostar de homens, isso era algo que simplesmente não existia. Através dessas conversas com meus amigos (e fui contando cada vez para mais amigos, de modo a tornar minha realidade mais real), a coisa foi tomando forma.

A família

Foi então que comecei a namorar. Até então, nem pensava em contar nada para a família. Simplesmente não parecia algo que eles precisassem saber. Contudo, veio o dia em que eu queria receber meu namorado em casa, queria que ele fizesse parte do meu espaço, mas meu irmão estava lá. Contei pra ele (foi difícil, mas aliviante. Ele não conseguiu lidar muito bem com a ideia inicialmente, então explorou bem o item "conversar com pessoas" e contou para basicamente todos seus [alguns meus] amigos) e consegui o queria: meu namorado e eu passamos a ter um senso de família, já que aos poucos ele e meu irmão começaram a se conhecer.

Depois de alguns meses namorando, chegou o momento de contar para a minha mãe. Algo curioso sobre isso tudo é que eu nunca tive medo das pessoas deixarem de gostar de mim ou me recriminarem. O medo que eu tinha era de saber que um homem gostar de homens era socialmente reprovável. Esse foi, aliás, o medo também expresso pela minha mãe: que eu sofresse na sociedade em que vivemos.

E quando não dá?

Nem todo mundo tem a sorte que eu tenho de nascer numa família compreensiva e carinhosa. A gente geralmente sabe se pode confiar/contar ou não. Assumir uma identidade é tomar uma posição política, é dizer "eu falo deste ponto de vista", "eu sou isso". Em muitos contextos, isso pode significar (e muitas vezes significa) dor, arrependimento, expulsão de casa, violência etc.


Não é fácil acreditar que não se tem a quem recorrer. Por isso, assumir uma identidade é algo que não deve ser feito se tiver um grande potencial de colocar a vida em risco. Certa vez vi em uma palestra que devemos escolher lutas pequenas suficientes para ganharmos, mas grandes o bastante para terem importância. Esse é um desses casos: se dependemos da nossa família e acreditamos que ela não nos dará suporte, que talvez até mesmo nos tire suporte, então o silêncio pode ser uma escolha política. Temporária, mas útil.

O mais importante, em qualquer caso, é encontrar pessoas nas quais possamos confiar. Grupos de apoio a LGBTs. Comunidades. Professores. Colegas. Amigos. Nem sempre será fácil reconhecer essas pessoas e algumas podemos até nos enganar, mas aos poucos vamos aprendendo a caminhar pela vida e a reforçar nossas posições. A melhor ajuda que podemos encontrar é aquela que não nos deixa sozinhos.
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