sábado, agosto 31, 2013

Gente preconceituosa que diz que não tem preconceito

Hoje mais uma notícia de gente preconceituosa dizendo que não tem preconceito. É a boa e velha hipocrisia mandando abraços. Talvez o significado de preconceito e/ou de discriminação não estejam claros, então vamos lembrar: sempre que reduzimos uma pessoa, ou seja, uma constelação de pensamentos e comportamentos, a uma característica, isso é preconceito.

"Dirige mal? É mulher.". Preconceito.
"Ladrão é tudo negro". Preconceito.
"Viado é promíscuo". Preconceito.

Existem também versões menos óbvias. "Tinha que ser preto" (não sei onde isso não é óbvio, mas se a pessoa se formando em Publicidade não percebeu, deve ser difícil mesmo... Ops, fui preconceituoso porque reduzi a moça à sua má formação). "Ele é gay, então se veste melhor", "nós mulheres somos mais sentimentais". Ah, o mais recente exemplo do preconceito discreto é "tem cara de empregada doméstica (porque é negra)".

Aí junto com esses absurdos vêm as provas indiscutíveis que não são racistas, sexistas, homofóbicos, transfóbicos etc. São ótimas:
"Eu tenho um amigo _____".
"Eu dancei com um _____ no sábado passado".
"Eu nunca bati em _____" (esse geralmente não vale pra machistas, pq no geral já agrediram alguém).
(preenche o _____ com o que quiser: preto, índio, gay, travesti etc.)

Eu já disse e digo de novo: não tenho nada contra gente preconceituosa. OK, isso é uma mentira, eu tenho sim. Acho gente preconceituosa o fim da picada, mas hei, eu tenho amigos preconceituosos! No fim das contas, o que me importa é a pessoa assumir suas posições. Por favor, não dê discurso de "eu não fiz por mal". Fez sim, foi cretino e pronto. Não é socialmente bonitinho, mas pelo menos é honesto. Pior é preconceituoso E hipócrita.

sexta-feira, agosto 30, 2013

Os russos me confundem

Então na Rússia é proibida propaganda homossexual para menores de idade. Não, eu não vou passar o texto inteiro reclamando sobre como essa lei é retrógrada e viola os direitos humanos e é mais um exemplo de como a humanidade anda precisando de uns corretivos. Não, também não vou citar a onda de violência contra sujeitos homossexuais que vem aumentando desde que o ódio foi institucionalizado e legalizado. Acho que já somos grandinhos o suficiente para sabermos que censurar o direito do outro de existir não é bom para ninguém, muito menos para as crianças.

A Dona Ironia, porém, não perde uma oportunidade. Vi ontem um texto (desculpem, está em inglês) sobre os cartazes da corrida espacial russa (soviética, na verdade) entre 1958 e 1963 e um deles me chamou muitíssimo a atenção.


Não sei o que está escrito, mas eu enxergo um casal gay bem feliz aí. Talvez eles estejam contentes porque poderão sair de um país atrasado e morar nas estrelas. Acho particularmente adequado que a Via Láctea seja um espaço destinado aos homossexuais. Não é o arco-íris a nossa bandeira? Então tornemos a Via Láctea o Via Nesquick ou algo assim, toda cheia de sabores. OK, OK, estou me perdendo aqui.

É perfeitamente possível argumentar que é um pai e filho, claro. Não vou nem comentar sobre pais que se relacionam sexualmente com filhos. Ou sobre jovens que pegam caras mais velhos, ou caras mais velhos que pegam jovens. Ou de qualquer outra variação que os "normais" heterossexuais fazem exatamente igual, mas a gente finge que não.

Será que essa imagem seria aceita hoje em dia na Rússia?
O que exatamente é considerado "propaganda homossexual"? Se eu entregar um panfleto dizendo "oi, eu gosto de transar com homens" isso é propaganda homossexual? Porque assim, eu entendo propaganda como relacionada a convencimento e persuasão. Quando digo que eu gosto de algo, não estou tentando te convencer a gostar também, então não entendo como propaganda. Seria diferente, acho, se eu dissesse "experimente sexo gay, é ótimo", mas quem defende que isso é ruim para crianças provavelmente defenderia também que "experimente sexo, é ótimo" seria uma propaganda negativa. Eu particularmente discordo, acho que o esquema não é tapar os olhos dos infantes e evitar que as criaturinha saibam que sexo existe, mas sim manter um diálogo aberto e repleto de informação.

Ah, então alguém vai dizer que quando uma criança vê alguém fazer algo, vai querer experimentar, imitar, fazer também. Acho que o argumento não está de todo errado. Não vou nem (mais) entrar no mérito de homossexualidade ser ou não uma coisa ruim (até porque não é). O ponto aqui é outro: eles querem proteger as pessoas (especificamente as crianças) evitando que elas entrem em contato com a existência de determinados tipos de pessoas. Seria como proibir que crianças sejam ensinadas a respeito de assassinos e ladrões, por exemplo, para protegê-los de se tornarem ladrões e assassinos ou de serem roubadas e assassinadas. Sabe o que isso produz? Gente sem informação. Sabe o que acontece com gente sem informação? Se acha estranha, fora de lugar, sofre com isso e eventualmente desiste da vida porque ela não faz sentido para um alguém que não encontra pares. Sabe o que acontece com pessoas ao redor dessas pessoas "fora de lugar"? Elas atacam, fazem bullying, criticam, machucam. Afinal, estão protegendo a normalidade (já escrevi um pouco sobre isso).

Fecho esse texto com alguns lembretes:
- Não, não são todos os russos que são maus. O problema está no poder alcançado por grupos que não têm os direitos humanos na sua agenda.
- Não, a Rússia não é o único lugar ruim para homossexuais. Há inúmeros outros países em que amar alguém do mesmo sexo (ou mesmo parecer que ama) pode te condenar à morte.
- Desculpem-me por não incluir outras vivências que também são afetadas por preconceitos de todas as formas e cores. Racismos, sexismos, transfobias... Todos são problemas gravíssimos contra os quais, acredito, devemos lutar. Posso não saber qual é a melhor forma de fazer isso, mas tenho para mim a certeza de que estou fazendo a minha parte.

quinta-feira, agosto 29, 2013

Tempos difíceis para os sonhadores

No filme O fabuloso destino de Amélie Poulain há um momento em que falam que atualmente são tempos difíceis para os sonhadores.


Ando assim meio pensativo, parte dolorido, parte sonhador.
Por enquanto, aproveito que posso e sonho. Espero, se possível, compartilhar esses pedacinhos de imaginação com outras pessoas. Afetá-las. Não consigo evitar: quero que minha vida seja feita de mudar a dos outros.

quarta-feira, agosto 28, 2013

Discrimina e depois pede proteção divina?

Vem uma pessoa e posta no Face:


Me perdoem se for inclemente, mas não, eu não perdoo. Sério, não dá. A criatura está juntando preconceito atrás de preconceito e acha que ninguém vai criticar? Li que ela tentou se defender e até saiu do Facebook. Gente, vamos crescer? Toda ação vai gerar reações. Isso é tão básico.

Se tem uma coisa que nós estamos aprendendo nessa vida é que pouco a pouco a possibilidade de ter voz não te dá mais o direito de falar merda e ficar impune, ao menos socialmente. Claro, isso não elimina a amnésia do povo (duas semanas e quase ninguém ia lembrar dessa fala infeliz) e nem magicamente faz com que o bando de mal caráter que deve ter curtido e aplaudido essa frase mude a cabeça. Ainda assim, desculpa se tu não consegue aguentar o tranco de ter feito um comentário absolutamente racista e agora ter gente te criticando.

Esse é o problema com nós privilegiados (apesar de raposa e viadinho, sou branco, loiro, classe média etc.): nós não estamos acostumados a sermos questionados sobre nossas posições ou comportamentos. Quer queimar mendigo na rua? Beleza, papai protege. Tem bandinha e quer estuprar? Mídia esconde. Só que se tem uma coisa que a internet ajuda na vida é em ampliar o alcance das vozes por aí. Esses dias alguém falou que a diferença está grande demais para continuar invisível. É isso mesmo, filhote: o mundo pode não mudar com esse tanto de gente xingando no Twitter e no Facebook, mas pelo menos a gente não vai sofrer em silêncio (e isso já muda o mundo).

Nota: digo "a gente" porque mesmo não sendo negro, cubano ou "com cara de empregada doméstica" (nem sei que cara é essa, mas né), eu procuro me enquadrar no mesmo quadradinho que a galera que está vindo de Cuba para cá: eu sou ser humano. De boa? Não sei se posso dizer a mesma coisa de quem pede proteção a Deus para ser preconceituosa.

A performance de Miley Cyrus no VMA

Calhou que eu assisti a performance da Miley Cyrus no VMA 2013 e não entendi. A coisa toda envolveu aparecer de língua de fora, rebolar no pênis de um cara, se masturbar com um dedo gigante etc.


Eu não sei nada sobre Miley Cyrus. Digo isso porque é deste lugar que eu falo: mal sei que ela foi/é Hannah Montana, descobri por acaso lendo sobre o ocorrido. Vou tentar fazer uma análise rápida dessa imagem/cena.

Temos um cara cantando e uma mulher sensualizando. Talvez seja a minha formação machista, mas o cara parece ser o protagonista da cena e ela está ali para o prazer dele. Pensando de outra forma, ela pode estar explorando o próprio prazer e usando dele para saciar ou atiçar suas vontades. Acharia justo, mas não foi isso que eu entendi. Talvez se eu estivesse prestando atenção no que estava sendo cantado ou se eu soubesse quem é Miley Cyrus eu pudesse compreender o subtexto. Tem que haver um subtexto! Do contrário, é só uma mulher de língua de fora rebolando em meio a outros artistas pelo bem do impacto.

Uma coisa eu não posso negar: essa imagem me deixou muito pensativo. Ela me incomoda, me tira do conforto, me coloca numa postura reflexiva. Eu normalmente não sou o tipo de pessoa que precisa entender os porquês, mas aquela foi uma performance que pareceu fora de lugar. Quando algo está fora de lugar, acho que é um convite para pensarmos que lugar é esse. Por que o VMA não parece ser o lugar para esse tipo de performance? É o lugar de quê? De quem? Qual seria o lugar adequado para essa performance?

Não sei, não sei, não sei. Termino este texto claramente tocado pela imagem, que continuará comigo cutucando meus pensamentos. Acho isso muito mais importante do que dar respostas sobre a ação da Miley Cyrus. Pouco me importa se foi certa ou errada, bonita ou feia, pertinente ou não. Importa-me o convite.

segunda-feira, agosto 26, 2013

Oficina de escritores

Comecei a ler Oficina de escritores, de Stephen Koch, e desde a primeira página estou experimentando a estranha vontade de ler devagar para que ele nunca acabe. Um livro, ao contrário de muitas outras coisas na vida, sempre estabelece desde o início da relação quando chegará ao fim. Pode acabar antes, mas nunca depois da última página. Há a releitura, alguém dirá, mas reler é reviver a memória, retornar a um amor que deu certo, mas sei foi.



Ao longo do livro (estou na página 110 de 270), o autor vai não tanto ensinando o que fazer ou como fazer, mas inspirando o que e como construir na arte da ficção. Recentemente abandonei frustrado a construção de um romance que esteve na minha cabeça há anos. Agora sinto-me confiante para dar uma chance maior a essa semente, de modo que ela continue crescendo. Desistir simplesmente porque não alcancei a melhor maneira de expressar minhas ideias na primeira tentativa é infantil, mas uma lição valiosíssima para alguém como eu, todo cheio de medos.

É tão bom ler um livro que foi escrito diretamente para mim. Os conselhos de Koch são para esse meu momento: escritor iniciante. Fere o orgulho admitir que meu texto ainda é muito frágil e que sei quase nada sobre a construção de narrativas. Por outro lado, estou feliz de cruzar com eles agora. Num passado talvez eu não tivesse compreendido suas propostas... provavelmente diria que ele fala besteiras ou obviedades. Não é incrível como as coisas só fazem sentido no momento exato de sentir, nunca antes e certamente não tão exato depois?

sábado, agosto 24, 2013

Raiva acumulada

Por esses dias o ônibus desviou a rota e acabou pulando uma das paradas pelas quais deveria passar. Para minha sorte e calmaria, a mudança de percurso não me afetaria (na verdade, só tornaria a minha viagem mais curta e, portanto, mais rápida). Notei, porém, um rapaz bastante indignado com a situação. Ele bufava e reclamava para si mesmo contra o motorista a cada dois segundos.

Lembro que pensei por um segundinho que sim, ele tinha razão em estar indignado, afinal o motorista não avisara que faria o desvio. Só que ele não parou de bufar a cada dois segundos até descer do ônibus, pelo menos três minutos depois. Na rua, ainda seguiu balançando a cabeça e apertando a mão com força e, presumivelmente, raiva.

Eu tenho muito medo de pessoas que não conseguem liberar as energias negativas que acumulam. Acho que essa incapacidade as torna perigosas, afinal bem sabemos que uma hora a coisa transborda e se a pessoa não tem um bom autocontrole, isso pode significar danos para os outros. Foi o caso de um amigo, que terminou um namoro e o então ex-digníssimo, não conseguindo lidar com a frustração do término, voltou uma semana depois para visitá-lo armado de uma faca.

Claro, nem sempre as pessoas reagem de forma tão extrema, mas basta lembrarmos das ocorrências em que reagimos com excesso frente a problemas minúsculos simplesmente porque estávamos irritados. A irritação nada mais é do que a concentração em nós mesmos de uma frustração ou raiva. Precisamos aprender a deixar esses sentimentos vazarem.

Para mim, o exercício físico tem essa função. Da mesma forma, discuto comigo mesmo e imagino brigas com as pessoas que me irritaram. Dessa forma não preciso realmente brigar com elas, já me acalmei até o momento de efetivamente entrar em contato. Nem sempre funciona, mas de uma coisa eu tenho certeza: quando encontro alguém e estou com um poço acumulado de coisas ruins, sempre me arrependo do que acontece em seguida.

sexta-feira, agosto 23, 2013

Como funciona nosso preconceito

Há alguns meses uma amiga estava me ensinando a desfiar um frango. Ela falou algo sobre deixá-lo mergulhado na água fervendo e depois tirá-lo e desfiá-lo com a ajuda de um garfo. O que ela não esperava era a minha pergunta: eu espero a água secar?

Pausa para explicar o processo todo: a água esquenta com o frango dentro e transfere calor pra ele. Esse calor vai deixando ele mais solto e, é óbvio, quente. Conforme a água vai secando, o frango vai absorvendo mais calor diretamente da panela e logo começa a queimar. Sem água, o frango absorve todo o calor e o resultado é uma panela preta e um frango intragável.

Outra pausa, agora para explicar o que eu estou acostumado a cozinhar. Depois de dourar alguns temperos (cebola, alho etc.) no óleo por uns segundos, coloco uma carne ainda crua no fogo e mexo um pouquinho. Sem demora a carne solta água, eu baixo o fogo e espero até que a água seque para a carne efetivamente pegar gosto e ficar pronta. Depois que a água secou, mexo aqui e ali e ela geralmente está no ponto desejado, macia e saborosa.

De volta ao frango.
O que deveria ter passado pela minha cabeça: que o frango ficaria esturricado sem água. Eu saberia disso se tivesse mentalmente avaliado todo o processo, mas não. Nosso cérebro trabalha com hábitos de pensamento, então uma resposta que se provou funcional no passado será repetida no futuro. Se para fazer carne eu sempre preciso esperar a água secar, eu nem por um segundo pensei que com o frango seria diferente.

Isso, meus leitores, é a base do preconceito. Nós estamos tão acostumados a ver/fazer carne em tudo, que quando a vida nos oferece algo diferente nós aplicamos a mesma ideia (e ela não funciona ou tem resultados desastrosos). Vamos pensar por um segundo que a carne é um relacionamento heterossexual e o frango, homossexual. Acostumados com uma sociedade que só enxerga e pensa a partir de relações entre pessoas de sexo diferente, eu vou lá e ensino o meu filho a deixar a água secar, a ir atrás de mulheres, a agir como machinho (o que não existe, já sabemos) etc., tudo isso sem perceber que, como frango, ele precisa se envolver em outros processos de cozimento que são diferentes entre si. Isso tudo pensando apenas em carne e frango.

E se eu acrescentar peixes, saladas e outras infinitas possibilidades de alimentos? Cada uma delas tem as suas regras e os seus funcionamentos. Tratá-las todas como carne só porque estamos habituados a isso não vai produzir alimentos muito saborosos... tampouco uma vivência muito nutritiva.

quinta-feira, agosto 22, 2013

Teoria queer (parte 3)

Esta é a terceira e última parte da série sobre a teoria queer. Isso não quer dizer que não escreverei nunca mais sobre ela, apenas que estou concluindo aqui esse projeto de introdução às ideias estranhas que ela propõe.

Deborah Britzman (1995) sugere, para uma pedagogia que se possa dizer queer, o que chama de três técnicas: o estudo dos limites, da ignorância e das práticas de leitura. Para a autora, é muito importante considerar o que temos permissão para pensar e que perguntas não deveríamos fazer dentro da sociedade com a qual negociamos. Desse ponto de vista, é necessário questionar os limites impostos ao saber e duvidar dos conhecimentos já estabelecidos, em particular os que se sustentam em oposições binárias. O que define, e a partir de quais critérios, que tópicos são relevantes de serem pensados em determinados contextos? Pensar os limites significa também levar em consideração de que forma a normalidade é produzida e que efeitos ela tem, principalmente (mas não apenas) nos sujeitos que se situam fora dela. A teoria queer “constitui normalidade como uma ordem conceitual que se recusa a imaginar a própria possibilidade do Outro precisamente porque a produção da alteridade como externa é central para seu próprio autorreconhecimento” (BRITZMAN, 1998, p. 82). Aos nos preocuparmos com os limites, também surge o questionamento sobre quando acreditamos que sabemos o suficiente sobre uma outra pessoa a ponto de nos crermos capazes de falar sobre (por) elas ou de determinar o que devem saber ou não.

A ignorância, num entendimento queer, não se trata do oposto ao conhecimento ou da falta deste. Ela é, na verdade, um efeito do modo como se conhece, uma relação com as informações que opera de tal maneira a colocar o sujeito em posição de não interagir com determinados conhecimentos. Portanto, antes de se perguntar por que um indivíduo não compreende algo que cremos que ele deva aprender, é essencial buscar de que saberes ele dispõe e quais considera pertinentes para a sua vivência.

O modo como o sujeito interage com o mundo, os textos que lê, as imagens de que se apropria: sem a compreensão dessas questões o ensino fica comprometido. É necessário entender qual a posição desse sujeito estudante, de que forma ele entra em contato com um conhecimento diferente daquele que já carrega como parte de si e como se dá a sua relação com o desconhecido. De que maneiras o que ele não conhece reorganiza, desmonta ou bloqueia seus pensamentos? Como se estabelecem conexões com o que ele já conhece, de que forma um texto muda ao ser lido por ele em um momento ou em outro? Qual é o esforço, impacto ou estresse produzido ou exigido para lidar com o que ainda não se sabe, ou para deixar de conhecer algo de uma determinada maneira? Conforme comenta Gablik (1994), existe um forte investimento emocional nas posições já ocupadas pelos sujeitos, uma vez que elas constroem a realidade com a qual eles estão acostumados.

Requisitar que uma pessoa desmonte suas compreensões anteriores, revisite conceitos e reorganize toda sua existência não é um convite simplório. É preciso entender que, como recorda Britzman (1995), não é uma mera questão de recusa ou resistência ao conhecimento, mas o conhecimento que se tem é uma forma de resistência. Também se faz necessário perguntar, como faz Luhmann (1998), de que maneira o leitor se insere no texto, em oposição ao que o autor quis dizer ou como a leitura deveria ser compreendida, e de que modo determinadas identificações se fazem possíveis ou impensáveis.

Além de se perguntar como um professor pode endereçar tópicos sobre (homo)sexualidades em sua atuação, também cabe refletir sobre o porquê. Creio que a minha resposta decorre do que Villela e Ratto (2009) chamam de projeto de existência: acredito que a função do educador não é oferecer conteúdos padronizados, mas sim construir junto com os estudantes condições para vivências significativas e protegidas contra opressões. Isso significa que a sala de aula se transforma em um espaço tático, um local em que o educador pode assumir uma postura combativa frente a verdades estabelecidas e noções carregadas sem questionamento.

Entretanto, mesmo o desejo de mudança abraçado pelos estudantes pode enfrentar adversários inesperados, algumas vezes encrustados nas próprias iniciativas que se tentam libertadoras. Conforme aponta Kevin Kumashiro (2002), o desejo de seus estudantes lutarem contra a opressão se limitava a não perceber de que maneira eles próprios eram privilegiados e, nesse sentido, cúmplices. Percebi essa mesma resistência se configurar quando os alunos em meus cursos questionavam se eles não tinham o direito de se sentirem ultrajados pela presença de um corpo estranho ocupando o mesmo espaço que o seu. O desconforto com o diferente figurou como uma desagradável surpresa entre as percepções que tive ao longo deste estudo. O desejo de ajudar o outro e de tomar ciência de suas aflições enfrenta a barreira do conforto do observador. Parece importante, nesse contexto, que a separação eu-outro permaneça real e visível, de modo a não produzir rupturas na noção de si (próprio) ou no entendimento do anormal.

Lutar contra comportamentos e situações que se mostrem opressivos a sujeitos por conta de características e ações pessoais que não dizem respeito a outros indivíduos é o que tem me motivado a insistir na minha construção como pesquisador e educador. Auxiliado pela cultura visual e pela teoria queer, o ato de percorrer esse caminho não tem sido reto como se poderia esperar, tampouco claro e sem desvios.

quarta-feira, agosto 21, 2013

Macho que é macho não... existe

Perdoem-me os escritores de plantão, mas eu repito a palavra macho exageradamente nesse texto. Eu mesmo estou me sentindo meio mal, porque não escrevo textos de fantasia há tanto tempo...

Eu não acredito em machos e isso não tem nada a ver com a foto abaixo. Ou tem tudo, deixo o leitor decidir. Eu deixei de acreditar neles há muito tempo e esse texto é a minha tentativa de explicar o porquê.


Eu não acompanho futebol, por isso não saberia nunca que o moço de boina é Sheik, um jogador do Corinthians. Sheik é não só um jogador do Corinthians, mas um jogador do Corinthians autodeclaradamente heterossexual. Aí uma noite ele sai com os amigos e dá um selinho num deles e o mundo desaba.

Sabe por que eu acho que machos não existem? Porque ser macho é tão instável e frágil que basta um selinho num outro cara para que a torcida do Flamen, ops, do Corinthians se revolte e resolva roubar a carteirinha de macho do Sheik. Macho que é macho não beija outro macho.

Ser macho é uma condição tão frágil que a galera precisa ficar repetindo e provando o tempo inteiro que é macho. Quem nunca viu na escola, por exemplo, a ofensa mortal a qualquer macho: xingar a mãe, ops, chamar de viadinho? Homem que é homem tem que gostar de mulher e falar de mulher e pegar mulher e fazer o que for com mulher (ou com o viadinho mais próximo, na falta de mulher, o famoso caso dos heteros que comem viados). Detalhe: homem que é homem só tem amigo homem, fica pelado em vestiário cheio de macho e de vez em quando aperta a bunda do outro pra ver se o outro é macho e reclama (oi?).


O que é um macho? Macho, em uma sociedade machista, é o sujeito que se acredita detentor do Poder do Pênis. Com esse superpoder, ele acha que pode maltratar as mulheres, ops, usufruir das outras pessoas (em geral mulheres, macho só usa outro homem se este for viadinho e ainda assim se ninguém ver... aliás, vamos todos ignorar as brincadeiras de medir o maior pinto, ver quem mija mais longe, bater punheta junto e fazer troca-troca). Todo mundo que nasceu com um pênis tem o dever moral de agir como macho, afinal, tem um pênis. É lógico.

Só que não é fácil ser macho. Macho não chora, não pede ajuda, não erra nunca, não fraqueja, não goza rápido demais, tem pau grande, é musculoso, bate em quem duvida, bate em quem tem alguma certeza contrária (o que não é difícil, porque machos geralmente têm poucas certezas – poucas em quantidade, fique claro), bate em que não é macho... Ser macho é tão complicado que há uma polícia especializada em verificar se outros caras são machos, o que nos leva de volta ao Sheik, já que macho não beija outro macho. Logo os dois são viadinhos e estão escondendo o jogo o tempo inteiro.

Agora uma pausa geral. Ser macho é tão difícil que antes de ser qualquer outra coisa, tem que ser macho. Jogador de futebol? Não, tem que ser macho antes, logo tem que ser um jogador de futebol macho.

Agora uma segunda e última pausa geral. Ser macho é tão difícil porque macho não existe. É como a roupa nova do rei, que só os inteligentes podem ver. Aqui, no caso, só os machistas veem quem é macho e quem não é. Para falar a verdade, só machistas se importam com quem é macho ou deixa de ser. As outras pessoas, não afetadas pela responsabilidade do superpoder do pênis (e muitas delas têm pênis!), são livres para serem o que são ou o que quiserem ser. Talvez seja esse o problema dos machos: inveja de quem é livre.

terça-feira, agosto 20, 2013

Teoria queer (parte 2)

Essa é a segunda parte da série de três textos sobre a teoria queer. O primeiro pode ser encontrado aqui e o terceiro será lançado amanhã. Não é minha intenção esgotar (seria pretensioso demais!) a teoria queer, mas sim apresentar alguns pontos introdutórios para quem se interessar.

Um sujeito nasce já inserido numa trama de expectativas e normatizações que estabelecerão um campo de confronto entre ser normal ou desviante em uma infinidade de critérios, e creio que é menos importante saber a origem de seus desejos do que pensar a respeito dos efeitos que eles têm sobre essa trama e, principalmente, dos esforços engendrados para conter esse alegado desvio; não podemos esquecer que a própria existência do desvio permite perceber que os fios dessa trama não só são instáveis, como também são impostos e insuficientes.

Como um professor que trata sobre (homo)sexualidades, tenho enfrentado o desafio constante de projetar propostas de ensino e ambientes de aprendizagem que sejam ao mesmo tempo eficazes no objetivo de compartilhar saberes e amplos o bastante para que não se reduzam a um ponto de vista particular e reducionista. Não posso ignorar, contudo, que essa é uma escolha que já exclui temas e interpretações que poderiam ser abordados em cursos cujos fins fossem outros e que minha afiliação à cultura visual e teoria queer me coloca em uma posição diferente do que a assumida por sujeitos que não compartilham desses embasamentos. É particularmente difícil não considerar outras posturas equivocadas ou incorretas, mas se trata de um desafio que acredito ser fundamental para o tipo de educação que antevejo, ou seja, uma forma de aprendizagem que não se aceite opressiva e que se permita duvidar de si própria ou ouvir a vozes que anunciem posições diferentes.

Uma das abordagens mais comuns que tenho observado no tratamento da homossexualidade em contextos escolares é a tentativa de incluir esses sujeitos e suas práticas no círculo da normalidade. A busca por inclusão reitera uma noção que deve ser analisada mais detidamente: a da aceitação do diferente. Essa postura relaciona-se com a ideia de uma generosidade por parte dos normais, que estão se predispondo a permitir que os anormais tenham espaço legitimado, assim como com a crença de que o grupo excluído necessita de maior autoestima, podendo buscar aumentá-la através de representações positivas de sua existência (BRITZMAN, 1995). Britzman questiona, ainda, a validade de uma política de tolerância, marcada pela apresentação e representação das minorias, que em teoria seria legitimada pela ideia de que as pessoas se identificariam com os modelos propostos. Não somente, essa perspectiva alimenta a noção de que os sujeitos normalizados reconheceriam as diferenças e as aceitariam: “mas como, exatamente, deve acontecer a identificação com um outro se somos requeridos apenas a tolerar e, portanto, confirmar nós mesmos como generosos?” (BRITZMAN, 1995, p. 159). A postura de enxergar o outro como um inferior que precisa de ajuda pode, portanto, encaminhar as tentativas de inclusão para um mero emparelhamento com as representações de heterossexuais.


Se a homossexualidade é compreendida como um desvio em relação à norma da heterossexualidade, então a representação positiva dessa identidade estaria na repressão de características que pudessem se configurar como destoantes da expectativa de um comportamento considerado adequado. Isso inclui relações não monogâmicas, práticas sexuais como submissão e sadomasoquismo, seguindo o axioma da hierarquização discutido por Rubin (1993b) e apresentando um limite bastante claro à noção de tolerância: ela pode existir, contanto que seja apenas até certo ponto. Só ganham acesso à inclusão aqueles que se assemelham com a norma heterossexual monogâmica, o que justifica as lutas que atualmente ocorrem em torno da legalização de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mas também explica o silêncio que existe em torno de sujeitos transexuais e a conivência pública com violências físicas e morais contra indivíduos cujas ações dificultam que sejam imediatamente posicionados em algum critério inteligível e comparável à norma. “Seja gay, mas não pareça uma mulherzinha” e “Não tenho problema com homossexuais, contanto que não deem em cima de mim” são declarações que exemplificam essa postura de inclusão limitada.

Ao indicar tais contradições que resultam da ideia de inclusão, não estou posicionando-me contra iniciativas que tenham esse objetivo. Representações positivas de sujeitos marginalizados são bem-vindas, pois os inserem em espaços que usualmente não ocupam ou não são vistos ocupando. Porém, creio com Silva (2000) que “antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença, é preciso explicar como ela é ativamente produzida” (p. 100). Entender como são produzidas as diferenças que dão contorno para as identidades e em que medida elas são estabelecidas ou alteradas discursivamente é uma preocupação que deve ser levada em conta. Contudo, não se pode esquecer o papel dos indivíduos que negociam com essas instituições e também com os demais sujeitos articulando suas próprias experiências com os enquadramentos sugeridos, requisitados ou impostos. Essas relações envolvem o modo como se percebem e identificam, mas também como são identificados e o que, no trânsito entre esses muitos entendimentos, resulta na forma de ação.

Na terceira parte desta série tratarei de alguns técnicas sugeridas por Deborah Britzman para uma abordagem queer.

segunda-feira, agosto 19, 2013

Teoria queer (parte 1)

Este texto é a primeira parte de uma série de três postagens dedicadas a pensar o que é a teoria queer e como ela pode se inserir em contextos pedagógicos. Nesta primeira parte, o foco da discussão está em compreender a base da teoria e sua "missão".

O queer que acompanha e nomeia a teoria surge como uma jocosa ironia, na medida em que se apropria de um xingamento para se posicionar criticamente a favor do ofendido. Traduzindo do inglês, queer significa estranho, e por derivação passa a significar bixa, viado, sapata. É aquilo que não se encaixa e causa desgosto, que não pertence. A língua portuguesa não possui uma tradução que concentre adequadamente a carga histórica que o termo queer possui no inglês, onde frequentemente era utilizado para atacar e condenar sujeitos cujas sexualidades não se conformavam às expectativas normativas. Enquanto termos como “bixa” e “transviado” possam soar semelhantes, eles reduzem o xingamento ao masculino, ignorando o feminino e prestigiando binários contra os quais a teoria se opõe. Por conta dessa dificuldade de tradução, seguirei trabalhando com o conceito em inglês, a fim de preservar o seu sentido e, principalmente, o seu potencial de disrupção de sentido.


Tomado como ponto de partida para uma ressignificação, os teóricos assumem-se como estranhos e como corruptores: a teoria queer não tem a intenção de ser mais um campo teórico, mas sim de questionar estabilidades, e por isso mesmo é tão difícil defini-la, uma vez que torná-la completamente inteligível esvaziaria sua força e potencial subversivo. Envolve teorizar o esquisito e, ao mesmo tempo, estranhar a teoria (LUHMANN, 1998). Mais do que se limitar ao estudo de gays e lésbicas, a teoria queer confronta noções de identidades fixas, classificações binárias e suas consequentes exclusões, focando esforços na compreensão dos papéis exercidos socialmente por aqueles sujeitos que ocupam posições ininteligíveis aos olhos das normas.

O queer não apenas é estranho e fora de lugar, ele também é ignorado, esquecido e negado. Os sujeitos que não se identificam com os discursos normativos das sexualidades na sociedade contemporânea ocidental estão relegados a uma existência inferior: são reconhecidos como desviantes, mas seu “desvio” não gera reflexão, é assumido como essencialmente errado ou, quando muito, como uma diferença que devemos aceitar e incluir.

É fácil pensar que queer institui uma categoria de identidade, um tipo de sujeito que não corresponde às normas. Contudo, Morris (1998) nos pergunta e alerta: “Essa categoria simplesmente instala um outro binarismo – queer ou não queer? Nós poderemos em algum momento dissolver o pensamento binário como um todo, e seria essa estratégia do não binarismo sequer útil?” (p. 276). Se pensarmos a definição de queer como simplesmente aquilo que não está normalizado, temos imediatamente uma normalização do que é ser queer. O estranho, subversivo e incompreensível passa a estar domado, controlado e seguro, sendo mais um conhecimento pronto para ser anexado em dicionários e para que pesquisadores possam identificar com certa facilidade: “isso é queer, isso é normal”. Uma vez compreendido e aceito, o poder que se instalaria pela dúvida se perde, dando lugar novamente às certezas.

Não devemos nos esquecer que, como nos alerta Britzman (1995), o queer não está nos atores, mas sim nas ações. Nomear um determinado grupo como queer é posicioná-lo fora da normalidade, mas antes de tudo significa posicioná-lo, estabilizá-lo. Esse é um movimento (e congelamento) ao qual a teoria queer não pode se permitir: o queer está no trânsito, no cruzamento de fronteiras e na indefinição de identidades. Não há como uma determinada identidade ser subversiva permanentemente, em qualquer espaço ou instante. A partir do momento em que for compreendida e nomeada, ela passa a não causar mais o impacto da indefinição.

Citando Berry, a respeito da forma como a “cultura do individualismo” espera que os sujeitos não mudem, Doll (1998) aponta: “Não importa de que forma o sujeito é reto [em inglês a palavra straight significa também heterossexual, e pode ser compreendida também como honesto ou normal], apenas que todas as perversões sejam amaciadas, de forma que a pessoa seja identificada completamente e sem ambiguidade” (p. 289). A teoria queer nos alerta para questionarmos categorias de identidade tais como “homossexual”, “travesti" etc., mas também sugere que levemos em consideração quais são os poderes e raízes históricas por trás da instituição e manutenção da heterossexualidade enquanto norma.

Na segunda parte desta série, discutirei a noção de inclusão da diferença. Na terceira e última, abordarei algumas "técnicas" para um olhar que se proponha queer. Caso alguém deseje as referências, basta pedi-las nos comentários ou por mensagem na Raposa do Face.

domingo, agosto 18, 2013

Falsas promessas

A principal vantagem de se manter um blog por muitos anos (no caso da Raposa, já são sete) é a possibilidade de reler textos do passado e descobrir quem nós éramos a partir do que escrevíamos. Isso facilita muito meu trabalho de saber quem eu sou, ou pelo menos quem eu nunca deixei de ser (não sei se é a mesma coisa). Um trechinho de 2008:
Já não terei mais desculpas para não escrever, e com isso também não terei desculpas para não viver. Com a graduação concluída, talvez eu consiga até mesmo lançar um livro antes do fim de 2009.
Isso em agosto de 2008. Tenho certeza que se eu buscar ainda antes também encontrarei referências sobre minha vontade de continuar escrevendo, de publicar livros. Sonho de infância: ser um escritor famoso. Falei sobre isso em 2012, 2006 e com certeza em todos os anos. Há mais um texto de 2008:
Ao longo do ensino médio e, depois, da faculdade, eu percebi que ser o melhor é difícil; só é fácil se destacar entre pessoas que não se destacam. [...] 
Esse é de fevereiro de 2008, na postagem número 200 da Raposa Antropomórfica. Os próximos trechos são da mesma postagem, estou relendo aqui e vendo muitas coisas que continuam. Alguns discursos simplesmente não mudam, a gente os redescobre de tempos em tempos, mas se não fazemos nada para mudar, eles vão reaparecer vestidos de novidade no futuro.
(uma pausa... sempre que eu escrevo aqui na Raposa Antropomórfica eu tenho vontade de chorar... é estranho, como se eu estivesse abrindo algumas janelas para quartos realmente escuros... que venha o sol)
Eu não sinto mais essa vontade de chorar. Escrever sobre mim já não é mais uma dor constante. Falar e pensar sobre quem eu sou já não me machuca, pois agora tenho uma noção um pouco mais ajeitada sobre quem sou e o que estou fazendo neste mundo. Ainda não sou todo raposa como gostaria, mas estou muito mais próximo disso do que em 2008. Aí vem a bomba:
Outro ponto, last but not least, é o meu retorno às letras. Como é engraçado que no segundo grau meus colegas – os que eu conversava com, pelo menos – sabiam que eu era, ou queria ser, um escritor, e hoje ninguém mais sabe. Alguns sabem, mas que provas eles têm, se eu estou com minha imaginação encerrada apenas à minha cabeça? Devo expandir esses limites, ou do contrário minhas histórias serão nada mais que sonhos particulares. Isso não quero. Anseio pelo retorno à literatura.
Parar de escrever foi muito dolorido para mim, apesar de ter acontecido lentamente. Não sei bem como aconteceu, foi um misto de desilusão e de "meu texto não é bom o bastante". Minha última tentativa de escrita não foi exatamente uma criação literária; está muito mais para uma liberação de idéias sem muito refino.
Eu lembro dessa dor sempre que conto a alguém sobre minha veia de escritor. Com o auxílio da Raposa Antropomórfica, percebo que muitas das minhas promessas ao longo desses anos foram engodos, gritos de guerra que entoei para distrair a mim mesmo. Isso acontece porque não são as promessas que são importantes, mas as ações que tomamos para cumpri-las.

Prometer que seremos melhores não tem valor algum. Pode até convencer a um ou a outro, pode até convencer a nós mesmos. Não convence a realidade. Para alguém acostumado às palavras, eu deveria já estar acostumado também com seus limites.

Quero realmente acreditar que agora será diferente, que agora estou agindo. Dentro de alguns anos, relendo esse texto, saberei se eu estava certo ou se foram novamente apenas palavras.

sábado, agosto 17, 2013

Outros

Nós não vivemos sozinhos, portanto inventamos regras de convívio para nossa coexistência ser aceitável e funcional. Ontem conversando com uma amiga, fomos destacando em nosso diálogo as inúmeras influências que nos direcionam na vida, mas que não necessariamente correspondem aos nossos anseios. Ou seja: muitas vezes o que fazemos e, principalmente, o que deixamos de fazer é fruto não da nossa vontade pura e plena, mas do contato com outras pessoas e suas expectativas.

Eu nunca fui uma pessoa acostumada a confrontar os outros e hoje me arrependo um pouco dessa moleza que por tanto tempo definiu meu caráter. O pensamento de que 'está bom do jeito que está' ou 'ai, não quero incomodar' sempre esteve a serviço da manutenção da paz por onde circulei, mas também sempre prestou um desserviço no sentido de silenciar os meus próprios desejos.

Não vou prometer que daqui para a frente tudo será diferente. Não é tudo que tem que ser diferente. Sou eu mesmo, esse pequeno fragmento de universo que pensa que é uma raposa. Estou confiante de que se eu mudar, o mundo muda comigo.

sexta-feira, agosto 16, 2013

Você é a medida do que faz com o seu tempo

Ouvi dizer que nós somos a média das cinco pessoas com as quais passamos mais tempo. Concordei em parte, mas conversando com uma amiga cheguei à conclusão que na verdade somos a média do que fazemos com o nosso tempo. Se passamos a maior parte do nosso tempo fazendo algo que não acreditamos que é certo ou que deveríamos estar fazendo, isso diz muito sobre quem nós somos ou sobre o lugar que ocupamos no mundo.

Certo, nem todo mundo pode acordar um dia e decidir que não está perseguindo o seu sonho. O mundo infelizmente não é tão bonito. Contudo, ao longo das nossas vinte e quatro horas diárias tomamos uma série de decisões que vão construindo o nosso caráter e moldando os nossos hábitos. São essas decisões, pequeninas e insignificantes por si só, que se somarão no final do dia, da semana, do mês e do ano e construirão o tipo de pessoa que nós somos.

Pessoas são estranhas:
- Eu quero ser uma pintora, mas não quero praticar todos os dias.
- Eu não quero ser uma advogada corporativa, mas invisto todos meus finais de semana nisso.

Exemplo prático na vida da raposa: se eu não escrevo, não sou escritor. Posso dizer que sei escrever e que sou a pessoa que entende tudo de tocar as pessoas com meus textos. Posso dizer o que eu quiser, não sou escritor enquanto não estiver escrevendo. No fundo, sempre me senti uma fraude quando falava que escrevia porque sabia que na verdade eu não estava escrevendo, mesmo acreditando que podia. Somente acreditar não é suficiente, a gente precisa agir. Essa é uma grande diferença entre pessoas que alcançam seus sonhos e as que não conseguem jamais. Não quer dizer que basta tentar, o sol infelizmente não nasce para todos. Contudo ele tem mais chances de nos iluminar se a gente vai pro meio da rua do que se ficamos trancados no porão de casa.

Falei essa semana sobre pedir permissão para sermos quem somos ou queremos ser. O "pedir permissão" tem um duplo valor. Por um lado ele é um atestado de fraqueza individual para dar força àquilo que acreditamos por conta própria, o que é ruim. Por outro lado, esse mesmo "pedir permissão" serve para que outras pessoas compartilhem do meu sonho, fiquem felizes pelas minhas conquistas e inclusive venham nos lembrar quem nós somos nos dias em que esquecemos. Ser é um trabalho diário, se a gente não segue sendo, esquece que foi.

quinta-feira, agosto 15, 2013

Jornalismo e gênero, ou Questionando os MEUS preconceitos

Hoje vi uma notícia sobre uma moça que se veste e se porta "de modo masculino" e fiquei... pensativo.


Os critérios para ser notícia

Os jornais publicam notícias que, acreditam, alcançarão os interesses de sua audiência. Para isso, se apoiam no que os teóricos chamam de critérios de noticiabilidade. Não é uma coisa que os jornalistas, na hora de decidir o que é ou não uma boa notícia, pegam uma listinha e vão marcando os itens. Essa lista é internalizada, a gente aprende na faculdade através dos professores, da prática cotidiana e, como qualquer leitor ou vivente, do contato diário com a mídia.

Aqui vão alguns critérios que listei em minha monografia de graduação:
Tempo do acontecimento: o jornalismo é sempre atual, então a notícia deve ser fresquinha, deve ser algo que está acontecendo ou que aconteceu no máximo ontem. Em tempos de internet, suspeito que o ontem já está sendo tarde demais.
Amplitude e clareza: quanto mais, melhor, quanto mais acessível ao leitor médio, melhor. Ou seja, o texto jornalístico frequentemente ensina o leitor, funcionando como um professor. Acho mais do que importante mencionar que esse professor é legitimado e o leitor médio não sente que tem motivos para desconfiar dele. Se saiu no jornal, deve ser verdade.
Significância: a notícia deve ser de interesse para o seu público, ou seja, deve afetar a vida dele de alguma forma. Essa é uma tecla que vou bater muito: dependendo do tratamento feito, uma notícia pode ser extremamente eficaz em combater preconceitos. Infelizmente não costuma ser.
Consonância: a notícia deve estar de acordo com os consensos, com o status quo. Isso aliás é bastante importante e acontece também na publicidade: lugar de revolução é fora da mídia, ao menos da mídia tradicional. Graças aos deuses que os espaços de visibilidade social estão se ampliando (embora não sem correr riscos, vide casos de propostas legislativas de regulação da internet).
Imprevisibilidade: ah, a cereja da notícia que me atraiu. O jornalismo ganha pontos de "jornal bacana" se a notícia for surpreendente. O que é tipicamente surpreendente? Pisar nas minorias ou nos "estranhos". Como a menina que é um gato.
Personalização: esse não é bem um critério do fato em si, mas a maneira como a matéria é escrita, ou seja, a partir da perspectiva de uma pessoa específica com a qual o leitor médio possa se identificar.

Normalmente são apontados mais alguns critérios de noticiabilidade, como a negatividade e o olhar para as elites, mas preferi destacar apenas esses porque me ajudam a pensar sobre a "notícia" da moça.

Questionando (os meus) preconceitos

Eu estava pronto e armado para criticar a matéria do R7, que na minha cabeça estaria tripudiando sobre a garota que se veste "como homem" e toma hormônios para modificar o corpo. Quando escrevi "o que me incomoda nesta matéria" foi que me dei conta que eu não sabia o que me incomodava na matéria, então voltei a ela e reli completamente. Só uma coisa, a meu ver, é realmente digna de crítica: o fato da posição da matéria frente ao caso ser "imparcial", ou seja, fingir-se de objetiva ao invés de defender abertamente um ponto de vista.

Claro, o fato de o jornal não fazer essa defesa não me exime da reflexão sobre meu desleixo intelectual. Simplesmente estou acostumado a ver sujeitos que não se encaixam nos bloquinhos tradicionais do binarismo serem retratados preconceituosamente na mídia, portanto assumi automaticamente que o mesmo estaria acontecendo na matéria. Isso é muito feio, gente. Ainda ontem estava na aula de Teoria da Imagem dizendo para os meus adoráveis estudantes que precisamos olhar não apenas para as imagens, mas principalmente para o momento em que nós olhamos as imagens. É nesse momento que os nossos preconceitos se ativam.

Defendo que toda visibilidade não negativa (ou seja, sem fazer piada em cima, sem pisar, sem dizer que não é legal ou que não é humano etc.) é mais do que necessária. Muitas vezes o nosso preconceito é fruto de não sermos capazes de conceber, ou seja, de vislumbrar determinada possibilidade ou situação. Eu não consegui, por exemplo, imaginar o R7 fazendo uma boa notícia envolvendo questões de gênero. OK, não é boa, faltou avançar muito para ser realmente bacana, mas já é um baita começo colocar as declarações da moça, que por sinal são bem pertinentes.

Lição do dia para mim mesmo: antes de se armar para a batalha, leia direito e pense sobre o que está prestes a criticar. Há muito a se enfrentar no mundo, sem dúvida, mas de vez em quando temos algumas surpresas positivas.

terça-feira, agosto 13, 2013

O que nós escritores temos a ver com os cinquenta tons de cinza

Como eu não li os livros, peço que alguém me corrija se eu estiver errado. Na história a protagonista conhece e se apaixona por um cara e passa a atender aos seus desejos e a se submeter às suas vontades, muitas vezes ignorando ou negando os próprios desejos e vontades em nome desse 'amor'. Vejo aí dois problemas: isso é machismo e isso não é o que eu entendo por amor. O gatilho para esse post foi uma notícia (aqui) e alguns comentários em um grupo do Facebook.


Isso é machismo

Formas de arte são apenas histórias e entretenimento. Certo? Errado. A arte, como qualquer forma de discurso humano, carrega ideias que dão sustentação ao que acontece. Nós entendemos algo como coerente quando essas ideias estão afins com algo que nós acreditamos ou que reconhecemos que os outros acreditam. Pergunta teste número 1: esse livro pareceria coerente se fosse a história de um homem rico e bem sucedido que se submete a uma mulher e passa a abrir mão de sua própria vida em nome dela? Suponho que não (e tampouco ele carregaria uma mensagem melhor).

Certo, e qual é o discurso dominante neste livro? O do machismo, ou seja, da supremacia do homem sobre a mulher. De acordo com os discursos machistas, a mulher é um objeto para o homem. O problema é que nem todo machismo é óbvio e ululante. Vamos a exemplos mais cotidianos? Hoje vi uma foto no Facebook de mulheres tirando selfies, aquelas fotos de nós mesmos no espelho, e embaixo uma outra imagem mostrando um bando de louça suja. A narrativa é bem óbvia: "fica aí se mostrando e se fotografando ao invés de cumprir seus deveres". Novidade: lugar de mulher não é na cozinha, é onde quiser. Pergunta teste número 2: que tal a gente substituir as mulheres se fotografando por nerds jogadores de videogame ou por frequentadores de academia? É, não seria a mesma coisa. Por quê? Porque nossa sociedade sugere que é da mulher o dever de limpar a casa enquanto o macho providencia o sustento e, claro, manda em tudo.

Quando um livro é publicado e alcança o sucesso que Cinquenta tons de cinza alcançou, é importante refletirmos sobre o papel social que ele tem. Milhares de pessoas estão assimilando sua narrativa sem sequer considerar que ela pode ser espelho de um comportamento cruel. Esse comportamento, repetido na mídia à exaustão, assume o caráter de normalidade e passa a servir de exemplo sobre como as coisas são. Ou seja, não é a leitura do livro que vai te transformar em um machista. É o machismo já entranhado nas veias do leitor que vai encontrar conforto e se tornar ainda mais difícil de sair.

Isso não é amor

Eu certamente não sou especialista em amor, mas o entendo como um sentimento que busca o bem do próximo. O bem do próximo, para mim, envolve não negar a subjetividade da pessoa e não criar uma grade em volta dela. Amor não é controle, não é exercício de poder sobre outra pessoa. Amar é cultivar, é gostar, é dar atenção e carinho, é proporcionar felicidade. Já escrevi algumas várias vezes sobre amor (aqui) e por isso vou manter o tópico curto.

O resumo é: fazer com que uma pessoa abra mão da própria vida em nome de outra pessoa não é amor, é egoísmo.

O que nós escritores temos a ver com isso?

Certo, o mundo no qual vivemos está estragado e cheio de exemplos ruins. Danou, então, né? Quase. Nós escritores e artistas temos na mão um poder muito interessante, o de convidar pessoas às nossas narrativas e com elas oferecer outros mundos possíveis. Não estou dizendo que devemos escrever só histórias boazinhas de pessoas que encontram o 'amor verdadeiro' sem desafios nem preconceitos ou machismos. Salvo ficções científicas dedicadas à utopia, nossas histórias se passam em mundos maculados por esses problemas.

Aí que está a questão: nós não devemos reproduzir esses problemas inconscientemente. Nosso trabalho é importante demais para que não estejamos conscientes do que fazemos e de quais discursos estamos reproduzindo. Como escrevi esses dias na Raposa do Face, peço apenas coerência: quer ser machista, sexista, homofóbico, racista, transfóbico etc? Beleza, mas assume. Isso se chama honestidade intelectual, algo que só é possível quando a gente sabe o que está fazendo.

Tu sabe o que está fazendo quando escreve?
Sabe quais discursos está reproduzindo através das tuas letras?

Se não, convém estudar mais.

segunda-feira, agosto 12, 2013

Procure pessoas como você

Quando fui ao lançamento do livro em que tenho um conto publicado, meu primeiro filhote (não, eu nunca vou parar de falar dele. Tá, mentira, um dia eu provavelmente falarei bem menos porque terei outros filhos favoritos, mas por enquanto ainda é o Loveless), duas coisas foram superimportantes. A primeira delas é óbvia: poxa, eu lancei um livro. Não eu sozinho, junto com outras pessoas, mas especialmente a partir do olhar e aval de uma editora, o que significa que alguém acreditou no meu trabalho artístico. Beleza. A segunda coisa e ainda mais importante é que eu conheci pessoas como eu, pessoas que não só escrevem, mas escrevem sobre os mesmos temas que eu. Pouco a pouco, conversa a conversa, estou conhecendo outras histórias de pessoas que vivem dramas muito parecidos com os meus (Será que o texto está bom? Conseguirei uma editora? Como escrever bem? Quem sou eu? Dá pra viver de literatura? Aaaaah?) e iniciando algumas amizades.

Isso tudo se soma em uma grande descoberta: procurando pessoas como eu, descobri que tenho com quem compartilhar questões específicas que nem todo mundo entende. Isso ajuda. Muito. A internet é um grande mar de interesses diversos, a única coisa que nos separa de encontrar pessoas fabulosas e dispostas a compartilhar tempo com a gente é nosso próprio medinho (ou falta de conexão, mas né...) de encarar aquilo que colocamos como sendo nosso sonho, nosso objetivo.

Saia do casulo e procure pessoas que possam compartilhar o seu sonho. É ótimo!

domingo, agosto 11, 2013

Devo contratar um agente literário?

Hoje fui pesquisar sobre agentes literários e, mais uma vez, cheguei à conclusão de que quero que alguém me diga Tales, tu pode fazer isso. É como se eu precisasse de permissão alheia não apenas para tomar as minhas decisões, mas para viver com elas. Essa é a razão pela qual eu quis procurar um agente literário, para me livrar da responsabilidade de fazer um trabalho que inicialmente deve ser meu: o de buscar meu espaço entre quem publica.

A mesma coisa tem acontecido sobre eu me dedicar a escrever mais e talvez não fazer o doutorado ano que vem. Estou o tempo inteiro conversando com meus amigos e perguntando o que acham disso. Eu já sei o que eu acho e já estou mais ou menos decidido, então não são as opiniões que estão mudando alguma coisa no meu pensar. São as permissões. Eu estou pedindo permissão para ser quem eu sou e isso não é legal.

De toda forma, estou no meio desse processo louco de descobrir meu lado raposa escritora, o que é um sofrimento, mas também um prazer sem igual. Entre sexta e hoje concluí dois contos. O meu medo de escrever e de dar a cara a tapas está diminuindo à medida em que aumenta minha confiança nas letras.

Em resumo, respondo a pergunta do título: se tu já tem um caminho na literatura se formando, beleza, talvez seja bacana ter um profissional mediando o processo. Isso é o que eu aprendi na minha breve pesquisa. Do contrário, te concentra em aprimorar a tua técnica e a tua arte. Sem a produção não há resultado. Não há como eu alcançar o meu sonho de ser escritor famoso sem colocar em prática a obviedade de ser escritor.

sábado, agosto 10, 2013

Meus personagens me acompanham

Eu não sei se isso é certo ou aceitável no mundo literário, mas está acontecendo comigo. Aliás, sei muito pouco do universo das letras, já que minha formação não é artística e sim objetivista e jornalística. Ainda assim, tenho ousado escrever e literaturizar por aí com algum prazer. Desde que retomei a empreitada de ser escritor, alcancei a publicação de O bufo na coletânea Loveless, da Editora Escândalo, e nas próximas semanas terei O terceiro passo publicado na coletânea Contos de ocasião pela Editora Big Time. Seria lindo ter uma segunda publicação no meio, para que o terceiro passo fosse efetivamente o meu terceiro passo e até tentei, mas não aconteceu.

Enquanto O terceiro passo foi um reajuste de um texto antigo, escrito em 2008, O bufo foi uma escrita original preparada especificamente para o concurso do qual participei. Há um abismo entre os meus textos até 2008 e 2009 e agora, 2013, quando voltei a escrever. Um abismo que não tem boas justificativas, pois foi um período em que a minha capacidade criativa esteve forçosamente adormecida sob a pressão do medo de me expor ao mundo.


Eis que depois de O bufo encontrei pessoas dizendo repetidamente que a história deveria ter uma continuação, que os personagens não estavam ainda finalizados, que suas peripécias ainda deveriam conduzir a outros lugares. A princípio fiquei ofendido, pois achei que o meu conto não fosse suficiente em si mesmo para narrar uma boa história. Hoje já penso diferente: meus personagens cativaram os leitores ao ponto de quererem mais deles, de se preocuparem com suas aflições e de se encantarem com suas conquistas. Marcelo e Eduardo são dois personagens que, por essa incompletude do conto, resolveram seguir-me sussurrando suas experiências.

É daí que nasceu a Terapia alternativa, história que dá seguimento quase imediatamente aos eventos narrados nO bufo. Assim como a história anterior, ela também está fechada, porém aberta. Ela certamente pede por uma continuação e deve ganhá-la em breve, mas conclui a narrativa que planejei. Não é isso que define um conto, uma "narrativa breve e concisa, contendo um só conflito, uma única ação (com espaço ger. limitado a um ambiente), unidade de tempo, e número restrito de personagens"?

É também dO bufo que nasce O sexo é certo (título provisório), desta vez deixando um pouco Marcelo de lado e se focando em Eduardo, o amigo irreverente e promíscuo. Enquanto escrevia fui obrigado a reformular a história inúmeras vezes, percebendo que Dudu não era quem eu queria que ele fosse, mas como a sua própria personalidade sugere, ele era quem queria ser. Coloquei o ponto final e estou satisfeito com as criaturas que têm surgido a partir de meus dedos. Preciso agora encontrar casas de papel para abrigá-los e mostrá-los ao mundo, um processo infinitamente mais incômodo do que o de escrever, mas que faz parte.

Há ainda outros filhotes esperando para serem escritos, como A marcha da vadia, que também ocorrerá no mesmo universo, porém a partir de uma frase da Terapia Alternativa. Assim brincando de spin-offs vou escrevendo e dando seguimento a esse mundinho que é parte de mim e que, aos poucos, espero que seja parte também dos leitores.

sexta-feira, agosto 09, 2013

Um escritor precisa de um escritório?

Escritório: "compartimento ou cômodo de um imóvel destinado à leitura e ao ato de escrever; gabinete".

Eu passei da fase 'quero ser' para a 'sou' um escritor. Ter o primeiro conto publicado não é o que causou esse efeito, mas veio junto. Ser alguma coisa é muito mais um estado de espírito e de crença do que qualquer outra coisa. Sou escritor porque as letras que costuro fazem a minha vida. Então por que eu continuo procrastinando?

De vez em quando me pego pensando que num ambiente melhor eu escreveria de forma mais contínua. Uma sala toda dedicada à escrita e livre das tentações do mundo, um espaço recheado de boas energias num campo lotado de árvores, ou quem sabe uma praia. É possível que seja verdade, que lugares assim tão especiais realmente influenciem o ato de produzir. As distrações, bem sabemos, são cruéis.

Só que tem algo que a gente esquece o tempo inteiro. Bem, eu pelo menos vivo me enredando nesse mesmo probleminha: o tesão de escrever é meu, não do resto do mundo. De levantar, sentar na cadeira e passar horas digitando, rabiscando, pensando em desenvolvimentos para histórias. Nada nem ninguém pode me obrigar a dar continuidade para o meu sonho senão eu mesmo. Ainda assim, arranjo desculpas infinitas para não ir pra frente.

Quando dei o primeiro passo mais firme em direção a 'ser escritor', achei que o serviço estava feito e que dali em diante tudo seria tranquilo. Não, não mesmo! Eu tenho o irritante hábito de jogar contra meus próprios interesses e sonhos. Um hábito assim tão enraizado não desaparece só porque a gente publicou um ou outro texto, ou só porque novamente as pessoas nos reconhecem como escritores. Um hábito assim não morre jamais. A única coisa que podemos fazer é substituí-lo por outro que nos faça feliz.

quinta-feira, agosto 08, 2013

Das coisas que eu quero

Mandei hoje para uma amiga essa mensagem em resposta a uma em que ela perguntava qual é o meu sonho de vida, o que eu quero para o meu futuro, o que eu amo fazer. Nossos e-mails frequentemente são sessões de terapia.

Duas coisas são as que mais me enchem de prazer, a ordem de qual vem primeira se alterna com o tempo: escrever e conversar sobre a vida (com ou das pessoas com as quais converso). Eu sou apaixonado por histórias, narrativas e o modo como elas são criadas, desenvolvidas e percebidas. Sempre que eu penso "o que eu gostaria de estar fazendo", a resposta passa por "escrever", mas eu fico com um baita medo de ser uma fraude, de não ser alguém que consegue escrever direito, sabe? É a mesma coisa que eu sinto na sala de aula: um profundo medo de que um dia alguém chegará até em mim e descobrirá que na verdade eu não sei nada daquilo, que eu estou lá apenas por um golpe de sorte do destino.

Eu não faço questão de mais dinheiro. Ele só me é necessário para manter a vida acontecendo (comida, moradia, deslocamento, essas coisas básicas) e eventualmente sustentar alguns luxos, como viagens e uma ou outra coisa mais cara (como uma noite de sushis, por exemplo). O que eu ganho mensalmente hoje é o suficiente para atender a todas essas necessidades atuais, mas conforme eu for ficando mais velho talvez surjam outras ainda imprevistas. Nada que escape profundamente do orçamento, creio.

Eu adoro dar aula por basicamente um motivo: isso me coloca em contato com pessoas que estão interessadas em, de alguma forma, se desenvolver, crescer, conversar, aprender. São coisas que muitas vezes eu acredito que consigo ajudar. Eu adoro ter retorno sobre os meus textos também pela mesma razão: mais de uma vez alguém já veio me dizer que minhas palavras no blog produziram reflexões fortes, que mexeram fundo em algo que a pessoa estava pensando para si.

Isso é muito certo pra mim: eu quero escrever cada vez mais.
O meu medo maior é que o mundo acadêmico roube isso de mim caso eu invista no doutorado.

sábado, agosto 03, 2013

Escrever ou assistir seriados?

Escrever dá tesão, é verdade, mas também cansa, exige tutano, incomoda quando tranco numa vírgula, numa palavra, às vezes num parágrafo.
Assistir seriados é sempre divertido, baixo os capítulos e vejo vários de uma só vez, é uma diversão intensa e quase sempre bem construída com histórias fantásticas e personagens cativantes. Melhores que os meus na maior parte das vezes.
Escrever exige tempo, compromisso, silêncio. Um dia briguei (por escrito) com uma pessoa porque achava que escrever não precisava ser ação particular, escondida do mundo. Hoje entendo que escrever acontece na solidão mesmo que compartilhemos depois o seu produto.
Assistir seriados pode ser em dupla, em trio, em grupo grande, mas também pode ser sozinho se tu e somente tu gosta daquela história. Assistir seriados te dá uma noção de quanto tempo irá investir naquilo, de cada minuto ou segundo emprestado, mesmo que nunca devolvido, à indústria do entretenimento. O que há de errado em se entreter?
Escrever não tem hora para acabar, termina quando a história diz que sim. Escrever dá vontade de controlar tudo, de mandar no texto e fazê-lo se curvar, mas as palavras são tantas e tão mais que eu; quando tento enjaulá-las quem acaba preso sou eu. Escrever às vezes acaba antes do que o esperado, pois algumas histórias têm hora bem específica para acabar e acabam sem perdão.
Assistir seriados cansa porque não fazemos nada.
Escrever cansa porque fazemos tudo.
Assistir seriados funciona como um vício, assisto a um e quero assistir a outro logo depois.
Escrever também.

Ainda bem.
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